Hoje tenho medo de ter sido
Fernando Pessoa, in O Marinheiro
I. dúvidas para existências e tantos aconteceres
arrisco o
olhar
tento o amor
e atiro-me
ao movimento
como o
cordão à volta
do pescoço
a remexer
sangue e
espinhos
com que se
aprende a
vida
e se crê na
palavra
indomada.
já tentei
tantas formas de
envolver o
teu corpo na língua
de aromas
à velocidade
da noite
que logo me
sei iminente
para,
no instante
seguinte,
tudo
esquecer
fotografia de eurico portugal
II. janelas de além-corpo
não tenho
muito mais tempo para saber
morrer,
os capítulos
maiores da minha vida
esqueci-os
já
é o momento
de fechar a
cortina do
corpo
o minúsculo
poro escuro
de profundidade
indefinida,
quase
invisível
como os dias
cegos
a escorrer
pelas retinas
numa hipnose
de janelas e nuvens.
há ainda
quem acredite em fugas
quando os
dentes apodrecem e
as bocas
permanecem indiferentemente
sujas?
fotografia de eurico portugal