terça-feira, 9 de julho de 2013

senhas e códigos para alguns recomeços


fotografia de eurico portugal


I.
procurei-te na dislexia do nome
com que se escrevem alguns fins de mundo
e foi aí,
na encruzilhada de um tempo queimado,
que me deixei vencer pela poesia,
sempre mansa, gato de pelo macio
a ronronar vontades para
no instante seguinte
esgaçar a voz com uma unha
feminina encarnada
impecavelmente tratada
como toda a saliva que queima
até ao caroço.


II.
no dia em que me esqueci de ti
desatei a mentir
a inventar primaveras e a
despedir falsos silêncios
como o pão, o vinho e tudo o que
ilude o corpo

no dia em que me esqueci de ti
jurei cicatrizar o mundo,
mas há imagens que regressam
sempre
a pingar pelos dedos
em cada coágulo de céu.


III.
há uma morte escondida
no outono da pele
trespassada pela terra,
rasgada pela boca:

toda a mentira menstrua
e as palavras
apodrecem antes do
parto.


IV.
fim:

eis a mais fina linha de luz
no hálito do
esquecimento:

a eternidade é sempre demasiado
breve
quando a projetamos entre
a certeza e o medo.

fotografia de eurico portugal



.

17 comentários:

  1. Eurico querido,
    confesso que tenho tido dificuldades em visitar os espaços dos amigos, pois sempre primei pela atenção e a possibilidade de viajar nos textos. Levei um susto com esta tua atualização :), mas venho num pequeno hiato na hora do almoço, enfim.

    Penso que a Eternidade é como a mulher gaúcha, de personalidade forte e que deve ser conquistada todos os dias. O que se faz além-palavras e silêncio; acontece, principalmente, pelo eco.

    Esse eco que eterniza, é aquele que se percebe no espelho, além da própria imagem. E ali está o reflexo de quem amamos: nas linhas que contornam os lábios, das tantas vezes que sorrimos; na linha entre os olhos e acima do nariz, da preocupação nas ausências; nas linhas que contornam os olhos, das tantas lágrimas e saudades..., as saudades que são presenças; nas olheiras da insônia, das boas e más noites.
    É quando a história e o romance são apenas um: eis a Eternidade. (soberana e com letra maiúscula).

    Tudo muito belo, como sempre!

    Beijos!

    PS.: Sinto falta de Morrisey por aqui... Mas ele retornará agora em agosto ao Brasil (!!!) Vambora? Estarei te esperando. *-*

    PS.2: Se disse alguma besteira nos comentários, desconsidere. Ainda tenho que acabar meu almoço:) E tenho que comer tudinho, com a reeducação alimentar, sem querer, acabei emagrecendo quase 5 kg... daqui a pouco ficarei mais magra que a Twiggy (modelo dos anos 70).

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    1. aninha,
      agosto é tempo de férias por aqui; mesmo não dispondo de mais que 15 dias, nem hesitaria em apanhar um avião para, no grande RGS, poder assistir a um concerto de morrisey, um dos gurus da nossa imensa amizade! aí, sim, a eternidade estaria bem mais perto de se cumprir.

      um beijo ao som de "there is a light".

      p.s. ultimamente tenho escutado duas bandas punk dos anos 80 e 90 que redescobri por informação de dois amigos e que tão bem me tem sabido percorrer: the sound e the chameleons. aqui, duas propostas só para adocicar o palato:

      http://www.youtube.com/watch?v=ZXfxqM__hwk - the sound, winning

      http://www.youtube.com/watch?v=DcEK6uTAezs&list=RD02nyaOAmB5W94 - the chameleons, monkeyland

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  2. "no dia em que me esqueci de ti"

    esquecer é um verbo da memória
    um alívio para o recomeço
    embora a sede de infinito
    nunca cesse


    abraço

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    1. a outra face da moeda existe também, assis: apenas esquece quem tem... memória, verdade?

      abraço!

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  3. O primeiro verso já guarda em si um poema inteiro. Mas as belas imagens que se seguem são estonteantes.

    há uma morte escondida
    no outono da pele
    trespassada pela terra,
    rasgada pela boca:

    toda a mentira menstrua
    e as palavras
    apodrecem antes do
    parto.

    Falamos deste poeta ainda ontem, num post do Beto Lima no face. Unanimidade nessa paixão. As imagens ricas e raras falam por quê. Eu não te leio sem voltar e reler. Tenho medo que me escape o que esses versos têm o poder de despertar. Obrigada.

    Beijos, querido.

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    1. a paixão é algo que a todos nós une, taninha. esta não é uma verdade de ontem, não é de hoje, é desde que a palavra nos passou a correr nas veias. e tantas são as viagens que fomos (per)correndo juntos, incólumes a tempestades, barras encerradas, avisos laranja e demais perigos. mas ali permanecemos, na ilusão do que une como se fora a primeira vez.
      escrever aquela nota a propósito do roberto e dos seus "meninos de são raimundo" foi algo de muito fácil, porque escorre com a naturalidade com o sinto. tive já o ensejo de passar no seu facebook (é verdade, não tenho um em meu nome, mas espreitei usando o do jornal da minha escola :)) e de conferir o diálogo entre tanta gente que me/nos é querida!
      setembro será provavelmente o mês do seu regresso a uma braga que é sua, já. pergunto-me para quando ter-te a ti cá? :)

      um beijinho grande!

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    2. Acredito que as coisas acontecem quando têm força para acontecer...rs...já cantou o Caetano Veloso. E acho que um dia a força fará acontecer.

      Beijos, querido poeta!

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    3. que esse dia de tantos aconteceres rapidamente se faça um já :)

      beijinho!

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  4. Impressões imperceptíveis a olhares óbvios!
    Ah... essa tinta poesia!!

    beijos, poeta amigo!!

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    1. e essa tinta que é todos os tons e cada traço que quereria poder saber e adivinhar...

      beijinho, jô!

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  5. Vou te contar uma coisa, eu heim! Qualquer carioca diria assim, ao ler-te: Cara, isso é foda!
    Porém, além de ser cariocaça, sou escrachada, não tenho modos e, somado a paixão que tenho por seus poemas, assim digo: puta que pariu! Cara, isso é foda.

    Copiei o poema que é pra ler durante a vida (toda)

    Bj, meu, gigante de admiração, poetaço querido

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    1. ira,
      posso estender-te as mãos e, apenas na linguagem da respiração, abraçar-te? assim em silêncio, como se chegasse as mãos bem perto do lume...

      o teu coração é tão grande como a tua poesia, amiga que admiro por esta dupla função que distingue uns de todos os outros!

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  6. querido amigo, descanso as emoções no teu poema, embalo a alma nas tuas músicas que tantas saudades tinha (que bom que já conseguiste)...
    tão bom estares aqui!

    p.s. acabei de vir do "olhares", mais uma vez, são um sucesso as tuas fotos, sucesso merecido :-)
    ainda não me sinto à altura...

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    1. andy, querida amiga,
      foram vários os meses em que o blogger me trocou as voltas com as postagens musicais; provavelmente não estava agradado com as minhas sugestões musicais :) desta vez, queria mesmo esta melodia para este poema - sabes, daquelas coisas que objetivamente não sabemos explicar mas como que sentimos que determinada música seja nascida nestas ou naquelas palavras - e, por felicidade, desta vez acabou por funcionar. até quando, pergunto-me? :)
      sobre as tuas fotos, tenho notado, quando te visito, a essência da fotografia (diz-to um leigo na matéria, bem entendido :)): a sensibilidade que faz de cada olhar o teu olhar e nenhum outro, como se cada fotografia fosse, mais do que aquilo que se vê, tudo o que se sente. essa é, para mim, a chave de uma boa fotografia.

      beijinho!

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  7. Demorei a chegar aqui e mais demorei a ler-te...porque não leio apenas, viajo, sinto...embrulho-me no mais recôndito de meu ser...
    I.
    A palavra, a palavra tem o dom de sanar nossos fantasmas, mas fixa-se no tempo e não nos permite esquecer...
    II.
    No dia em que me esquecer de ti...Deixarei de me conhecer... Serei uma alma perdida, porque viver foi uma cruel mentira...
    Impossível esquecer o outro, sob pena de esquecermos, quem fomos, quem somos...
    III.
    Ai a saudade, a dor, o sentimento de perda e o sabor acre da mentira!!
    Como tudo se apagaria se a memória também fosse uma mentira...
    IV.
    Breves podem ser os momentos, as palavras , tudo o mais é eternidade, seja luz ou seja treva...

    Grata por este belo momento, querido amigo!

    beijinho meu.

    P.S. Demorei mais tempo a visitar-te porque meu PC, resolveu pregar-me a partida e avariar, este fim de semana :)

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    1. alcina, querida amiga,
      uma leitura que, pauta a pauta, engrandece o texto que lhe serve de base; afinal, como bem fazes notar, é a palavra quem se fixa no tempo fixando, cada um de nós, na palavra e no tempo, o que equivale por dizer que só a palavra sabe combater o esquecimento.

      beijinho, desejando que os problemas tecnológicos de comunicação a distância estejam solucionados - até para não perdermos os movimentos diários na tua fantástica galeria do olhares :)

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  8. :)

    pois é.
    e quantos são os nomes do que não mais será?

    beijo.

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