quinta-feira, 22 de maio de 2014

Ode às mil e uma noites


fotografia de jorge pimenta


És tu a ode onde aprendo a superfície do mundo, tu, corpo a serpentear pelas árvores enquanto metáforas te escalam a pele em absoluta nudez. Num gesto invisível, libertas as mãos, mãos estreitas, profundas, mais largas do que o amor, que é ter medo de morrer por não saber morrer. Arriscas dois passos para diante, agitas a anca antes de um mover de olhos para a luz onde nem a cal do meu rosto te trava o ímpeto, breve e inesquecível, como esse soalho feito de papel onde insistes em arder a cada movimento desprendido.
Saio de mim para te saber ver e é na leveza da dança que espalhas alfabetos indecifráveis, pétalas de certezas e travessuras onde, com a ponta dos dedos, rabiscas linhas no vidro embaciado do fim do magma - tão singelas, quase pueris, sem esconderem um ligeiro rubor de face que emudece a cada acorde musical no sacrifício branco do silêncio.
E ali ficámos, tu, eu e as marcas de um deserto suspenso na voz: é verdade, ninguém vive pela memória, mas é lá que o mundo se faz papel e tinta, poema atrevido e hemisfério noturno do tempo a desvendar todos os caminhos - mesmo os do impossível.


 

29 comentários:

  1. Belíssimo texto, um ode a beleza da arte, a arte da dança, onde a expressão do corpo se traduz em movimentos, ora compreensíveis, ora indecifráveis. E a cada texto seu, admiro mutuamente tanto as suas fotos e o seu olhar fotográfico, muito aguçado, e o seu bom gosto musical Jorge.

    Um grande abraço pra ti.

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    1. a combinação de linguagens é uma outra forma de dizer, paulo - e como a fotografia e a poesia são dois ramos de uma mesma forma de expressão...

      um abraço, caro amigo!

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  2. Belo! E desvendamos caminhos nestas palavras.

    Bjs

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    1. e como nos desvendamos em cada caminho de palavras...

      beijos meus, rita!

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  3. Belíssimo, Jorge!
    E porque não quero interromper este maravilhoso bailado, recolho-me muda, por tanta beleza.

    Deixo um beijo.
    Bom fim de semana.

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    1. estendo-te as mãos num aceno feito de silêncios a desafiar todas o tempo que pontua a distância, sónia.

      beijinho e uma excelente semana!

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  4. uma ode à arte e beleza do corpo com uma foto fantástica...

    :)

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    1. neste caso, as palavras surgiram depois da fotografia, não o contrário como habitualmente me sucede :)

      beijinho!

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  5. Que linda prosa poética, Jorge... E somente um artista inspirado saberia sair de si para ver o outro. Magnífica também a cantora Mariza, tão presente e inteira com sua voz ressonante. Grata por compartilhar de sua leveza.
    Um beijo.

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    1. eu, sim, agradeço a gentileza da tua presença e palavras, querida andrea.

      um beijo!

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  6. Olá Jorge td bem?
    Uma obra de arte o que acabei de ler
    um ode maravilhoso bjusss

    Bom domingo bjusss

    └──●► *Rita!!

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    1. rita, querida amiga, que bom ver-te por aqui.

      um beijo e, na impossibilidade de desejar um bom fim de semana, deixo-te votos de uma ótima semana que hoje mesmo principia.

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  7. Jorge, caio na mesmice mas só posso dizer sublime. Seu texto é tão envolvente e belo que me basta lê-lo, sem nada completar. A foto, magnífica. Você tem muito talento e bom gosto. Bjs.

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    1. aquela silhueta a convocar a luz para um bailado silencioso é a chave para as palavras, querida marilene; assim surgiu o texto: na contemplação daquele deslizar de formas de odalisca.

      beijinho!

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  8. Olá.
    Uma ode, para contemplar o belo.
    Estou seguindo o seu blogue, e lhe convidando a visitar-me. Seguir-nos ? é uma opção sua. mas, passando por lá, deixe um registro, um comentário. Para voc~e, sei, é simples. Para nós, um mar, de contentamento.
    Abraços.

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    1. um abraço, josé maria, agradecendo a visita e a amabilidade das palavras.

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  9. A beleza da dança tão bem captada pelo teu olhar sensível de poeta.
    A fotografia, lindíssima, a acompanhar esta prosa poética.

    Abraço afetuoso, Jorge!

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    1. tenho uma sequência de movimentos desta pequena princesa de além-tempo que, invocando melodias imaginárias, desafiou a luz encantando retinas e lente; numas, próxima, noutras, mais afastada, mas em todas a graça e a delicadeza de quem tem a música tatuada na pele.

      beijinho!

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  10. Você me deixa boquiaberta. Além de ser um escritor primoroso é um fotógrafo de primeira linha.

    Parabéns, Jorgíssimo!

    Beijos cristais.

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  11. Meu Zeus, o que dizer?!?

    A cada verso o espanto se renova.

    Outro beijo, queridíssimo.

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    1. aprendiz de tudo o que me atrevo a fazer, é o que sou, cris... e quanto mais passos dou, mais longe me sinto do horizonte... todavia prossigo, fios de palavras nos dedos, anéis de luz nas retinas, verso e imagem a lavrar chamas em redor. e é na distância do que não sei que me vou completando.

      beijos de cris-tal, musa!

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  12. Tão lindo!!! adorei a tua prosa, amigo!
    adoro dança e confesso fiquei com aquela espécie de inveja :-)! ah, também queria dançar e voar assim em palavras e em vida…

    beijinhos mtos, querido amigo!

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    1. mesmo sem melodia, há movimentos a galantear a luz que são toda uma sinfonia. e o corpo, essa derradeira não-ciência!

      beijinho grande!

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  13. Como em “Mil e uma noites”, uma fábula de Sherazade a contar, narrar, ditar ritmo cadenciado, e apontar caminhos em frações marcadas, ora pela dança dos quadris, ora pela sugestão. Quando a luz que contorna a silhueta feminina, fulgura e sinaliza trilhas. Assim são as estrelas, não estão mais lá e ainda brilham a sobreviver contra o relógio. Recordei-me da minha incursão pela dança do ventre!

    Neste exato momento, estou num hotel colonial na cidade de Três Coroas, na serra gaúcha. Vim por alguns dias a trabalho cobrir um congresso de um cliente, e tão próximo tenho o Orvalho distante da minha casa... E nesta noite, um frio próximo a 5 graus! Mas estou com uma taça de vinho na mão e com a lareira acesa:)
    Sempre bom te ler, Jorge. (texto/imagem). Há três anos transcende a dinâmica dos blogs.

    E minha menina-amiga-flor tornou-se uma mulher. Confesso que ainda não me acostumei com isso :) Tantas e tantas saudades da Maggie...

    Beijo direto de Três Coroas para ti e um beijinho especial com muito carinho e ternura na bela flor!

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    1. o enquadramento é simples: dia internacional dos museus; mosteiro de tibães aqui mesmo ao lado; uma tarde de domingo, três horas, duas antes do grande jogo, final da taça de portugal, que o meu benfica viria a conquistar ao rio ave, naquele que era já o terceiro título num final de época de sonho. propus-me disfarçar o nervoso miudinho e proteger o que restava das unhas, por isso, decidi-me por uma saída com a máquina fotográfica ao ombro. nada de especial me movia, senão a presença da pequena maggie e um dos locais mais emblemáticos do portugal-português. duas horas sem destino, deambulando pelos claustros, pelas celas dos frades, pela cerca, na imensa igreja, pelo cadeiral e por entre manuscritos que os monges copistas reproduziram à mão uns séculos antes, quando, de repente, naquela nesga de luz, uma imagem me agarrou: a maggie, cada vez menos pequena, cada vez mais mulher, saia longa e dedos grandes, a esboçar movimentos de odalisca, enfeitiçava retinas e os céus. fiz uma sequência de disparos que se tornaram, eles mesmos, música. são estes os pequenos instantes que anunciam as pequenas eternidades, verdade?

      beijinho grande!

      p.s. 5 graus? por cá estamos em plena primavera, uns 23 graus, mas mesmo assim, o café, que se quer forte, toma-se sempre quente, bem quente. como bem sabes :)

      beijinho renovado!

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    2. Jorge, se tinhas tudo isso a me falar, por que não escreveste para mim?
      ... prometo que não mordo :) Pelo menos a 10.000 km de distância isso é impossível, mesmo para uma gaúcha faca na bota como eu :)
      Até ao fim de semana te escrevo, tá bom? Que seja um aceno argentino com algumas notícias de cá.
      O tempo é escasso, mas não pode ser maior que nossa amizade.

      Abraço apertado de quebrar ossos, direto de um Pampa, hoje, mais quente, mas com temporal à vista

      PS.: Sim, pois sobre do Benfica, parabéns! Quanto ao meu Grêmio... não tenho muito a dizer :( Mas com muitas expectativas para a Copa do Mundo, nada irá me fazer não torcer ao Brasil. Amo futebol!

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  14. ode às mil e uma vozes que não se definem nem noite nem dia no poema, por serem atemporais...

    prosa lírica e imagem que nos suspendem feito tapete mágico!

    beijos, meu amigo poeta das imagens pulsantes!

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    1. facilmente levanto voo no tapete mágico das tuas palavras, jô.

      beijinho, amiga-poeta de lira fulgurante!

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  15. e numa dança inebriante, sentida e sensual, o verbo solta-se e dança ao seu ritmo...
    bailarina que se evade na sua dança, palavra que, de forma insinuante e inusitada desafia e transcende, esse monstro, que nos persegue...
    Saudades de tuas palavras!
    Beijinho terno, querido amigo!

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