sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

ode ao livro e a cada um dos seus silêncios


Sophia, com as suas palavras de terra e de mar, alimenta vidas através do silêncio da escrita.

[dedicatória encontrada no livro Histórias da Terra e do Mar, de Sophia de Mello Breyner Andresen, que repousa numa estante da minha biblioteca]


Boekhandel Selexyz Dominicanen: fotografia de jorge pimenta


é ele, o livro
sonho a vestir viagens e
aventuras de areia com mãos frias
despido de mapas ou tesouros,
apenas caminho e pés
a queimar plantas e bolhas
em cada mil vagas e marinheiros

é ele, o livro,
cheiro, odor, castigo,
indiferente à loucura e à passagem dos anos
bicicleta com luz a trepar os olhos
e uns pingos de sangue no joelho
daquela encosta onde soprei estrelas
e nuvens
no balanço inclinado da tua voz

é ele, o livro,
estação do ano preferida
a rugir prados e açucenas
com que queimavas a pele
e rufavas delírios
nesse cortejo de ânsias e
bem-quereres

é ele, o livro,
o espaço que o tempo habitou
num mundo que começa e acaba
nas crinas das linhas, nos contornos das letras,
livro-esboço de infância sem relógio
em cada som murmurado
em cada palavra repetida
nalguns sentidos roubados
bem ali ao lado da cadeia infinita de silêncios
e de algumas mortes escorridas
na tinta.


Boekhandel Selexyz Dominicanen: fotografia de jorge pimenta

Boekhandel Selexyz Dominicanen: fotografia de jorge pimenta

Boekhandel Selexyz Dominicanen: fotografia de jorge pimenta

Boekhandel Selexyz Dominicanen: fotografia de jorge pimenta

Boekhandel Selexyz Dominicanen: fotografia de jorge pimenta

Boekhandel Selexyz Dominicanen: fotografia de jorge pimenta

Boekhandel Selexyz Dominicanen: fotografia de jorge pimenta


Boekhandel Selexyz Dominicanen

Há lugares assim. Depois do fascínio da Livraria Lello, no Porto, um daqueles lugares que parecem suspensos no mundo e, para o meu amigo Roberto Lima, a mais bela livraria do mundo, atrevi-me a um salto à irresistível Boekhandel Selexyz Dominicanen, em Maastricht - Holanda. Considerada como a mais bonita do mundo, esta livraria é muito mais do que um lugar onde se compra livros; é um espaço de culto, montado, em 2007, numa abadia dominicana do século XII que até há bem pouco tempo se encontrava abandonada, tendo, até então, servido como depósito de bicicletas, o mais comum meio de transporte naquelas latitudes. O contraste do ambiente austero e da arquitetura gótica (onde até os tetos preservam os frescos) com a sofisticação da decoração moderna e a intemporalidade do livro a vestir paredes e estantes, tornam-na num espaço de reverência que convida ao intimismo e à introspeção. Desses que o mundo nos oferece e que, como a Lello, no Porto, ou El Ateneo, em Buenos Aires, temos a obrigação de eternizar - por nos eternizarmos com eles. Afinal, é ele, o livro...

30 comentários:

  1. e ele, o livro, será sempre o nosso melhor amigo...

    muito bom o poema e a postagem.

    gostei muito!

    beijo

    :)

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    1. o livro e cada uma das suas viagens... das nossas viagens e inércias.

      beijinho, piedade!

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  2. É ele o livro: espaço de adivinhar. Gosto disso!
    "Do verbo apenas entrevi o contorno breve:
    É coisa de morrer e de matar mas tem som de sorriso.
    Sangra, estilhaça, devora, e por isso
    De entender-lhe o cerne não foi me dada a hora." Hilda Hilst

    Querido, estou a menos de um mês do lançamento do meu livro, por isso tenho vindo menos a este espaço de delícias. Desculpe-me

    Beijooo

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    1. hilda hilst, soberba como sempre. ainda hoje guardo com imenso carinho uma preciosidade que a amiga rejane martins um dia me deixou: poemas da própria como letras de melodias por zeca baleiro, "de ariana para dionísio". agora, estes versos que me atas à lapela para tudo fazer ainda mais sentido...

      um beijinho, adri,desejando todo o sucesso para o novo rebento literário!

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  3. Fiquei fascinada com as fotos, verdadeira catedral do livro. É ele, o livro que nos abriga os silêncios, nos esconde, nos envolve de forma silênciosa, é ele o mistério, a luz, a paixão. É ele que eterniza sentires desnudados no papel. É entre ele e nós que o mundo mais intimo da palavra se manifesta.

    Gostei imenso do poema.
    beijinho
    cvb

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    1. um arrepio de lugar, cecília, de verdade. do mais esplendoroso onde estive nos últimos anos. recomendo vivamente... e há tantas companhias low cost para lá que vale a pena aproveitar :)

      beijinho, grato pelo carinho e pelas palavras!

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  4. Que postagem escandalosamente arrebatante! TUDO, poema e imagens...Obrigada, Jorginho, pelo presente a nós todos! É ele, o livro!!!

    é ele, o livro,
    cheiro, odor, castigo,
    indiferente à loucura e à passagem dos anos
    bicicleta com luz a trepar os olhos
    e uns pingos de sangue no joelho
    daquela encosta onde soprei estrelas
    e nuvens
    no balanço inclinado da tua voz

    Beijos,

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    1. o maior presente, lá onde cabe tudo o que não vem nos livros: a amizade e o bem-querer que tão vivos em ti sinto, taninha!

      um beijo e todos os livros que me caibam nos lábios!

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  5. Respostas
    1. grato, jota! agradecido pela visita e pelas palavras; imensamente satisfeito por ter gostado.

      um abraço!

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  6. Nossa, queria morar nessa livraria. Que linda composição fotográfica, meu querido.

    Agora fiquei curiosíssima para ler a sua Sophia. rs. Vou olhar na Biblioteca aqui.

    Beijos meu querido poet'amigo além mar!!!

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    1. sophia é daqueles autores que não são daqui ou dali; são de todos os lugares, suzaninha; após leres algo dela, a minha apreciação aqui far-te-á sentido, estou certo.

      beijinho grande!

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  7. e os livros queimados...
    dessas cinzas ressuscita pena!

    beijos,meu amigo poeta das imagens tao pulsantes!


    p.s: gradeço teu passeio por entre a Lira! O blogue se ilumina quando chegas por lá!

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    1. depois dos livros queimados... continuaremos a escrever mundos nas suas cinzas com a ponta dos dedos, jô.

      beijo, amiga de tanto de mim!

      p.s. tu e cris juntas, sempre uma renovada experiência de leitura e respetivas sensações.

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  8. Jorge,
    belas e inspiradoras fotografias!

    Venho como motorista argentina, mas espero que compreendas...

    É que, coincidentemente, estou a um passo de visitar pela sexta vez a segunda mais bela livraria do mundo: El Ateneo!
    Não vejo a hora, estou muito empolgada!
    Será pouco tempo em Bsas., a ideia é visitar as cidades do delta do rio Tigre, que ainda conheço pouco..., para um retorno provável à capital porteña em julho:
    soube que a partir de maio, quando há a Feria del Libro de Buenos Aires - , acontecerá uma série de lançamentos e eventos literários imperdíveis, incluso para a pequenita Luíse aproveitar, que se estenderão até todo o inverno.
    Tentarei, não agora, mas com calma em julho, trazer-te um 'regalo' de El Ateneo, ou da livraria dos dois velhinhos de que te falei.
    Mas, podes vir junto em julho, vambora?

    E um dado curioso, por um lado; mas triste, por outro:
    a grande Buenos Aires (Buenos, e região metropolitana), tem mais livrarias que no Brasil todo... [um dado para uma bela reflexão..., e, certamente, uma crônica]

    Deixo uma frase do poeta Oliverio Girondo, com toda sua picardia porteña:
    "Un libro debe construirse como un reloj y venderse como un salchichón"

    Grande beijo!

    PS.: Por favor, envies um grande abraço aos teus pais. Não esqueças!

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    1. aninha, que felicidade teres essa cidade de tantas das minhas ilusões de viagem aí ao alcance de um, de duas ou de quantas visitas lhe queiras fazer. e depois, todo o charme da capital do tango com os seus infinitos paraísos por descobrir; el ateneo, por su puesto.
      e o maior regalo seria mesmo poder fazer-me presente aí, ou na livraria dos dois velhinhos por ti já conquistados, ou numa das centenas outras que existem em maior número do que em todo o brasil, tudo para que o mundo se não faça apenas de léguas mentais ou de miragens improváveis.

      desfruta, aninha, pois seja uma , seja duas, seja as vezes que for, aquilo que nos toca jamais se esgota ou se repete.

      um abraço com estas asas que me anunciam em pleno voo.

      p.s. o abraço a meus pais foi já dado e agora aqui retribuído, lamentando apenas nele se não ver o brilhozinho nos olhos de ambos quando lho-lo dei.

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  9. digo que, do cadeado mais bárbaro, o livro é a chave!

    trouxeram-me, as fotografias, olhos infantis, um vestido de palavras e fé nas nuvens

    Jorgito, meu grande querido, uma poesia digna desse altar de palavras

    um grande beijo por mais essa sensibilidade

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    1. vestidos de palavras e fé nas nuvens - que mais se nos fará necessário, poeta-feiticeira de tantas das minhas palpitações?

      um beijo maior!

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  10. Quando aqui chego tenho que parar por algum tempo. Há muito para se deliciar. Fotos encantadas, música de qualidade, versos... Ah! Os versos! De uma riqueza e profundidade que merecem atenta releitura. Faço uma viagem, a mesma que nos proporciona os livros, o melhor dos meios de transporte. Maravilhoso poema, Jorge. Bjs.

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    1. obrigado pela partilha das tuas sensações de viagem nas asas do verbo, na rota dos livros, marilene.

      um beijinho, amiga muito especial!

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  11. e pensar que, na Lello & Irmão, tivemos que nos comportar como dois contrabandistas.
    você não teve tempo, sequer, de achar aquele meu ângulo... aquele sem papada ou barriga.

    jorgíssimo, qualquer dia destes a gente se encontra para novas páginas deste novo livro da nossa amizade. ando saudoso.
    nostálgico, mesmo.

    e é imensa a livraria que a vida nos apresenta. e nela não tem essa de Lello & Irmão, não.

    e que se conste nos autos: o seu blog está cada vez mais bonito. lugar bom de se estar.

    abraçao do seu amigo de sempre.

    aquele

    roberto.

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    1. robertílimo,
      um acontecimento único e irrepetível cada chegada tua até aqui, a este blogue que não é meu, mas nosso, desta tertúlia que se quer nas palavras mas também tanto, e tanto para além delas. e este lugar é tão especial que faria a lello ou a selexyz parecerem um beco de esquina apenas habitado pela ausência.
      que este lugar tem páginas e que todas elas se fazem do verbo da pele, do abraço, da partilha, do sorriso e da saudade... não dessa que receamos poder atolar-nos à espera, mas daquela que nos renova em cada instante-certeza de reencontros - em braga. ou num qualquer lugar deste nosso mundo.

      abracílimo!

      p.s. agora, se quisermos fotografar na lello, não temos de ser contrabandistas ou traficantes; bastará procurar nas algibeiras pela moeda de valor certo. mas o preço é justo, pois sempre me concede a possibilidade de procurar aquele tal ângulo que faz de ti um bieber de qualquer idade :)

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  12. Olá boa noite e que prazer voltar por aqui
    agradeço sua visita carinhosa, e dizer que
    o livro é nosso melhor presente,melhor amigos
    e deixa nossa alma mais transparente

    Abraços com todo meu carinho

    Bjusss________Rita!!!

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    1. um beijinho com carinho e todos os livros que nos alinham caminhos, rita.

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  13. perfeito Jorge..
    sem palavras..
    imaginação vai longe.
    beijos de carinho

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    1. abraço em silêncio... que sejam eles, os livros, quem nos fale por erguerem flores, levantarem cidades e o tanto que nos faz homens/mulheres, ingrid.

      beijinho e todas as leituras!

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  14. caixinha mágica
    o livro
    faz a luz

    e o
    silêncio
    conduz


    abração

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    1. por vezes pandora, mas que desafio-luz não descerra riscos?

      abração!

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  15. O livro , em seu silêncio e sabedoria, entra de mansinho e fixa-se, fazendo-nos refletir, pensar questionar, ou simplesmente, adormecer embalada em seus prodigiosos sonhos ...

    beijinho meu, querido poeta amigo !

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    1. o livro, centro na distância que nos percorre, alcança e projeta; o livro, porque só nele o onde se faz aqui mesmo.

      beijinho, amiga da fotografia, das palavras e da gente-gente!

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