sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

exercício para verbo cansado e apatia


A felicidade é ser feliz e perder a memória. (tradução livre)
Ingmar Bergman



fotografia de jorge pimenta


és tu que os ventos percorrem para chegarem
às palavras enluaradas
e eu,
num equívoco de madrugadas,
espero por ti
entre dois espaços e nenhum,
hoje
enquanto as ruas perdem a gente e os lugares,
agora
que todas as palavras adormecem
no fundo raso de um poema.

és tu quem chamo,
um nome a iludir as horas
porque o sangue adormece nas estradas
do corpo
e os espelhos crescem para os objetos

mas quando, por fim,
estendo os braços para o fim da tarde,
chegas num navio invisível,
sentimento rachado nos corpos
e confissões a pingar tempestades e impossíveis:

és tu
já não deidade de lábios
mas de sombras
a atiçar o mistério de pétalas e distâncias
de que regressas
não sei quando
não sei onde;
apenas depois do tempo que se
não fez.


24 comentários:

  1. no desencontro do tempo que não se fez
    vestígios de uma floração etérea


    abraços

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    1. do tempo que se não fez, floração etérea, devastação eterna.

      abraço, assis!

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  2. De que parte de ti vêm imagens tão extraordinárias, poeta? A viagem começa com
    Bergman e faz vertigens "confissões pingando tempestades e impossíveis". Simplesmente, estonteante. Que bom que existes! <3

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    1. taninha,
      sempre tão especiais as tuas palavras que me rendo a tamanha ternura e generosidade.

      as imagens de que falas: talvez sinapses a ligar a tríade existir-escrever-sentir: o adn de todos nós, afinal.

      beijinho!

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  3. "não sei quando
    não sei onde;
    apenas depois do tempo que se
    não fez."

    Delicado... Um sopro!
    Absurdamente lindo!

    Abração, Jorge!

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    1. talvez haja mesmo um tempo-gente para além do tempo-tempo...

      beijinho, marlene!

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  4. Meu querido Jorge

    Por vezes o tempo não nos dá tempo para ter tempo de concretizar.
    Como sempre deixas-me sem palavras e apenas te deixo a minha eterna admiração.
    Feliz 2014

    Um beijinho com carinho
    Sonhadora

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    1. infeliz realidade, essa, amiga do sonho: o tempo que não dá tempo à gente... merecia ele que a gente não desse gente... ao tempo.

      beijos muitos!

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  5. hoje... agora... o presente é sempre o melhor lugar para se chegar ao nome que jamais será ou quem sabe tocar, simplesmente, o atiço da distância. o tempo, em nome de tudo que não se fez, é sempre uma grata surpresa
    procurei sentimentos, uma só palavra, pra vestir o poema, e nada encontrei de tão espantoso, então, uso o meu alfabeto rasteiro... é difudê esse poema!

    bj, meu amigo-poetíssimo de tantos milagres nas mãos

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    1. o presente... esse não-tempo algures entre o devir o que já foi...

      maravilha de comentário, ira! difudê, mesmo :)

      beijo-te, amiga feiticeira, deslindadora dos mais intrincados mistérios do homem!

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  6. há tanto que esta mão escreve...
    nunca foi dela nenhuma palavra?
    mas a ela nada mais cabe
    nada mais importa senão escrever...

    depois disto, o que dizer?

    beijos, meu querido amigo das imagens pulsantes!!

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    1. ter/pertencer são inimigos do ser... e a mão que prossegue a viagem solitária?!...

      beijos, amiga da poesia maior!

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  7. por vezes (algumas) as palavras podem faltar, mas, elas estão sempre lá à espera de serem escritas, manuseadas, acarinhadas e por aí adiante...

    gostei também da foto.

    boa semana.

    beijo

    :)

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    1. as palavras: a extensão dos dedos com que manobramos (ou enredamos?) os fios do coração, piedade.

      um beijo, grato pelas (palavras) que aqui deixas!

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  8. Ex-plen-do-ro-so!!!

    És tu que chamo de brilhante, ainda que não seja o bastante...

    Beijo cris-tal, poeta preciosíssimo!

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    1. é a luz da tua poesia que mantenha acesa dentro dos meus olhos, cris-tal!

      beijos!

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  9. Jorge,
    meu comentário será como o título de teu poema, em palavras que se não dizem, mas se sentem, e muito...

    Sei que entenderás: este é um dos teus mais belos poemas que ainda não escreveste.

    Recordei-me, deixo para ti:
    http://www.youtube.com/watch?v=9NWC1rEPMbE

    Beijos e mar!

    PS.: Escrevo-te sem falta até o fim de semana, tá bom?

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    1. aninha,
      os títulos que se não escrevem mas dizem, logo ali, ao lado, dos que se escrevem... e se esquece de postar :) nem acreditas, só depois de ler esta tua nota regresso ao texto para perceber que o título "exercício para verbo cansado e apatia" ficou na gaveta...a prova inequívoca de que há palavras dentro dos silêncios - como estas que me deixas na melodia oceânica que juntou marisa monte e a imortal cesária évora.

      beijos e infinitos em tons de orvalho - afinal, o mar mais não é que mil e uma gotas desse elixir misterioso que tem o aroma e o paladar de cada um.

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  10. Ah! Sobre Buenos Aires, por supuesto!
    Pois sabes, Jorge, que já fui por lá um par de vezes e ainda há tanto a desvendar... Soube de mais alguns ‘rincones’ interessantes a conhecer, com um primo uruguaio que por lá residiu alguns anos: há uma livraria imperdível (para além del Ateneo e de tantas outras), que fica na Av. de Mayo, disse ele que é propriedade de dois velhinhos muito simpáticos (sim, existem porteños simpáticos hehe), que caso se agradem com o freguês o deixam subir em escadas caracóis e explorar os livros que estão mais próximos ao teto em pé direito muito alto, onde terminam as prateleiras de madeira que começam no chão; mas ali, ‘nas alturas’, há primeiras edições (algumas publicações não estão à venda) de clássicos da literatura platina, por exemplo: Rayuela, de Cortázar, (aquele romance de 1963 de que te falei, recordas? Onde pode se ler os capítulos em diversas sequências), e bem ao fundo, escondidos, sofás enormes para manusear por horas as publicações, mas... há de se ter carisma com os velhinhos :) Também uma casa de tango no subsolo de uma casa de espetáculos na Av. Corrientes (esta avenida tem casas de espetáculos teatrais e musicais que funcionam 24h, - assim como a Biblioteca Nacional Argentina, localizada em outra parte da cidade, mas fica aberta 24h, com acesso a todos!). Mas depois te conto sobre essa casa de tango..., me empolguei :), mas preciso retornar ao trabalho. Digitei muito rápido, se tiver erros os ignore por favor.
    Vambora ser feliz!

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    1. mas, pelo programa que acabas de sugerir, acredita que posso ser bem convincente :)
      e eu que ando em maré de romance com livrarias; depois da lello, cá no porto, aquela que é considerada a mais bela do mundo: selexyz, em maastricht, uma abadia católica que preserva a arquitetura, a ambiência, os frescos no teto, conjunto a que se juntou o conforto de uma livraria e o melhor cheesecake do mundo - ingredientes que a tornam cosmopolita e imperdível; em amesterdão, uma passagem pela american bookcenter, lá onde, ao lado de livros, crescem árvores (está também no elenco das 20 mais do mundo). fica-me a faltar el ateneo, por su puesto, e esta que agora deslindas ao meu olhar.
      e eu que ainda ontem falava com um amigo que prepara uma odisseia pela américa do sul, lá para o verão, com paragem obrigatória em buenos aires. é evidente que lhe falei do muito que conheço da capital argentina pela tua voz e que está há algum tempo, a par de montevideo, inscrito no tal caderninho de obrigatórios :)

      um beijo renovado recuperando a máxima com que fechas a tua nota: vambora ser feliz!

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  11. As palavras adormecidas não impedem o despertar de sentimentos e o uso destes, de forma belíssima, pelas desobedientes mãos do grande poeta. Bjs.

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    1. a insónia do coração em cada palavra adormecida, querida amiga,

      beijinho!

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  12. Mais uma vez uma linda postagem,é muito bonito o que escreves!! Vejo que gostas de musicas calminhas,eu prefiro mil vezes mais musica mexida,tipo discoteca. Beijinhos fofinhos!! http://musiquinhasdajoaninha.blogspot.pt

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  13. E, no silêncio as palavras, mais verdadeiras, mais reais e mais sentidas...
    E, no olhar mudo, a verdade (in)finita...
    E, na insónia a mágoa dos (im)possíveis (in)finitos...

    beijo muito, muito especial para um poeta e querido amigo!

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