quarta-feira, 30 de outubro de 2013

o inexprimível universo de nadas



a sua sombra chegava sempre primeiro do que a minha aos desníveis da terra

António Lobo Antunes, Não é meia noite quem quer



fotografia de jorge pimenta



desatar a boca:
ser sonâmbulo
escutar a noite e o som
do fogo
naquele verão desabitado
de lábios e beijos
esquecidos

desatar a boca:
singrar urgências
sangrar lábios
gumes alagados de saliva
na espuma arável
de tantas mortalidades
em explosão lenta

desatar a boca:
arder excessos torrenciais
em sulcos de rebentação
nos lírios de entre as pernas

desatar a boca:
um morrer de nada um morrer de tudo
no gozo fértil da humidade do teu
orvalho

desatar a boca
e o bolor
de alguns inexprimíveis
recomeços.

25 comentários:

  1. incrivelmente belo! ufa
    não devia ser permitido escrever assim... :-)
    não precisas de clip musical, as tuas palavras são melodia.

    beijinho, amigo!
    p.s. inspirei-me no titulo do teu viagens para dar título a umas fotos do lua;
    e fiquei por lá à espera do tema musical :-)

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    1. palavras sempre ternas as tuas, querida amiga. passo no luz dentro em breve, mas entretanto, deixo aqui aquela que para mim é uma das mais recentes pérolas musicais e melódicas: http://www.youtube.com/watch?v=E1-r0kacawg

      beijinho!

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    2. escrevi luz; queria ter escrito lua :)

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  2. Jorginho, pra não esquecer de dizer: esses formidáveis versos estão em mágica sintonia com minha fase do "enadecer" (entregar-me extasiada) da minha alma!

    Beijos de fã que acende luzinhas quando te ler..

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    1. em cada nada que nos visita, tantos tudos à espera de serem desatados, taninha.

      um beijo em cordéis de nada segurando candeias de tudo.

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  3. Olá poeta!
    Bocas atadas devem ser bocas tristes! Pois existem tantas palavras, tantos beijos, e tantos gostos que a boca atada não conhece!

    Um abraço Jorginho, meu amigo!

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    1. há gestos que não se adiam sob pena de com eles sermos nós os adiados, verdade, andré?

      um abraço, grato pela visita e pelas palavras.

      p.s. como corre a divulgação e o impacto do teu livro?

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  4. recomeçar em nadas
    mergulhar em vazios
    dançar em ausências


    abraço

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    1. a vida ali mesmo, com um pé no chão e o outro no precipício do faz-de-conta. apesar de tudo, a fita continua a correr...

      abraço!

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  5. Morro de nada
    e de tudo
    vertigem
    arrepio
    do voo alçado no teu poema.
    Lindo, lindo!
    Beijo, Jorge!

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    1. metapoema: a poesia que se explica a si mesma... com poesia.

      grato, marlene. beijinho!

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  6. "desatar a boca:
    um morrer de nada um morrer de tudo"

    desatar a boca:
    um tramar de sede até a última gota...

    beijos, meu amigo poeta das imagens pulsantes!

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    1. desatar a boca e percorrer, descalço, o teto da luz.

      beijinho, jô!

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  7. A dimensão do nada e do tudo muitas vezes se mistura após a saciedade. E é do nada vem o recomeço. Bjs.

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    1. correr à velocidade de tudo e estar tão perto de... nada.
      há sedes que não se saciam nunca por delas precisarmos para reconhermos a água.

      beijos!

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  8. Jorge,
    o que eu faria sem teus poemas, heim?

    Recordei-me de uma frase dita pela flor-Luíse semana passada. Não sei de onde tira essas suas falas :)
    “Mãe, quando eu crescer quero ser um quebra-cabeças de 60 peças.”
    - (quebra-cabeças é como chamamos os puzzles) -

    Que bom se nós adultos tivéssemos apenas 60 peças..., mas temos milhares e milhares... ou sei lá quantas mais...
    Se as encaixamos apenas com a racionalidade, a vida se torna um tanto automática e insipida, e o quebra-cabeças, um oficio, pré-requisito de etapa; se as encaixamos apenas com a emoção, desenhamos um abstrato como o de Pollock, e não enxergamos um figurativo que nos dê o norte. E o mais curioso: ao encaixarmos as peças, tanto de um jeito, como de outro, misteriosamente aparecem mais e mais peças ainda a serem encaixadas como se o quebra-cabeças aumentasse de tamanho a cada nova etapa concluída.
    Nem tudo é apenas preto ou branco. Há um mar de verdade remetido ao silêncio entre os apostos e suas formas: os cinzas, - centenas, milhares de nuances em gris.

    Inevitável que eu remeta toda tua postagem à Casa de Escadas de Maurits Escher, inclusive a tua fotografia me lembrou imediatamente. A estranheza em sua essência: os nadas e tudo, os quase-tudo que são os nadas, e os quase-nada que são os tudo. A vida e todos seus encaixes, e nós, em seus recomeços.
    Com tudo isso, e o homem ainda querendo descobrir se existe vida além da Terra! :)

    Beijos dos Pampas chuvosos de primavera!

    PS.: Fostes esperto: destes o trabalho físico ao Pedro Ferreira em subir às escadas :) Vi lá no facebook uma fotografia dele no mesmo cenário, mas não te encontrei as subindo :)

    PS2.: Ah! Importante: tive um problema no meu blogroll e o excluí, recém te adicionei ao Google+ neste teu perfil em que comentas, se puderes me adicionar como retorno, tenho como cuidar de forma mais prática quando atualizas e vice-versa, tá bom? Também divulgo por lá.

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    1. ternura (e saudades), tua pequenita luíse e seus rasgos de existencialismo puro a deixarem pontas soltas para raciocínios sobre raciocínios, a cada instante mais elaborados e (im)perfeitos do que os que os precederam e originaram.
      ser puzzle de 60 peças no enorme puzzle da vida onde todas as peças encaixam de forma frágil e nunca definitiva por a cada encaixe suscitarem a seguinte, num movimento em matrioska que se estende até ao limite da respiração - haverá forma mais verosímil de descrever a existência? cada peça é todo o seu tempo e espaço como se nada mais houvesse para além dela. depois, o encontro com outra e as noções redefinindo-se, redefinindo também aquele que as vive; à trigésima peça, a primeira é apenas recordação de algo que se não é já, mas que foi decisivo para o alicerce de toda a construção. e neste jogo de transformações, vai-se operando a verdadeira metamorfose numa sucessão de seres e aconteceres que não se detém nunca senão nesse instante breve, derradeiro e definitivo - esse onde existe tudo o que sabemos e o tão mais que gostaríamos de ter sabido e imaginado.

      beijos do minho, hoje com umas réstias de sol a intervalar dias seguidos de chuva diluviana.

      p.s. pois, não sei como fazer para adicionar no blogroll; será reiterando o meu estatuto como seguidor lá no letras? explica-me, por favor...

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    2. Jorge,
      ao saber-se citada por aqui, a pequena Luíse enviou uma pergunta para ti:
      qual é a cor dos taxis em Portugal? ... hehe foi esta a pergunta. Se puderes responder aqui mesmo, faço ela ler a tua resposta, tá bom? :) Assim, treina a leitura.

      Ah! É o seguinte: não, não é para fazeres um blogroll. Eu mesma o exclui, pois havia um site que estava com vírus. É assim, necessito que me adiciones no Google + (Google Plus, ou G+, não sei como vocês falam...). Tens dois perfis, já me adicionaste no que está com a camiseta preta, agora preciso que me adiciones com o que está com esta foto do cachecol azul, pois percebi que é neste perfil que divulgaste tua postagem, e provavelmente, divulgarás as próximas. Basta aceitares minha solicitação. Tenho divulgado as minhas atualizações também por lá. Qualquer dúvida me digas.

      Enviei agorinha mesmo e-mail um pouco urgente.

      Abração dos Pampas em madrugada de vento nordestão!

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    3. querida luíse,
      antes de mais, deves estranhar esta escrita que foge totalmente do padrão que a tua professora te deve ensinar, sem maiúsculas nos nomes próprios ou em início de frase. coisas difíceis de explicar, mas que têm que ver com algo que tu própria vais entender quando a escrita te surgir não apenas natural, mas sobretudo como uma parte de ti, algo que defines da mesma forma que escolhes os brincos, a cor do verniz das unhas ou mesmo os sapatos que melhor combinam com a toilette :)
      os táxis portugueses, durante muito anos, foram pretos com o tejadilho verde, por isso eram chamados de folha de alface :); presentemente, poucos têm essa apresentação e a maioria assumiu uma cor pálida, sem brilho, que os fez perder todo o charme daquele verde sobre o negro; são beije. mas o melhor é confirmares tu mesma regressando a esta terra que, tendo sido dos teus antepassados, é tua também :)

      um beijinho!

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  9. Uau, Jorginho! Singrando desde a fotografia até o inexprimível recomeço.
    Beijo, meu lindo :)

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    1. vazios e ausências: terra na boca e mãos atadas atrás das costas. só porque assim é, os recomeços, mesmo que inexprimíveis, ganham sentido.

      beijinho, adri querida!

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  10. Incrível Jorgíssimo.
    Você chega sempre primeiro para lembrar e desatar tantas bocas deste universo por vezes ininteligível e cheio de quebra-cabeças. Estamos sempre nesta corda bamba entre o tudo e o nada. Ontem fiquei num trânsito como sempre caótico e pensei: Onde estamos? O homem como ser pensante, perdeu a razão , a noção de tudo? Quantas vezes ainda precisamos sangrar os lábios para singrar urgências?

    Magnífico.
    Uma lindo dia
    bjs.

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    1. elisa, querida amiga e mestre da palavra mágica que condensa a voz do mundo em pouquíssimas letras - os haikais,
      deslaçar bocas, destrancar a voz e o beijo, ser plural, porque todos os caminhos de uma só direção restringem horizontes em lugar de os abrir e
      assim tornando todo o puzzle que somos em mero exercício de retórica ou entretenimento vão.

      beijinho, grato pela presença e as sábias palavras: as de quem não espera que o mundo defina; antes se define definindo o mundo.

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  11. Explosão de sentires,
    que se imiscuem, se diluem no exíguo espaço entre o TUDO e o NADA...

    Beijinho, querido amigo-poeta das sensações (Im)possíveis.

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  12. belos escritos!

    [articular em palavras
    desarticula a voragem]


    abç


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