sábado, 19 de outubro de 2013

nota sequencial para versos de outrora



O destino que se cumpra,
se o destino for
Eu apenas quero a flor
de uma última penumbra,
onde a sombra,
entendo eu,
é apenas o lugar
onde a luz
pode declarar-se
verdadeiramente.

Wilson Caritta Lopes


fotografia de jorge pimenta


Vestido de preto, entrou no quarto de hotel. Dirigiu-se até uma bancada sem acender as luzes. Do lado direito das cortinas cor areia, um feixe recatado de luz pedia licença para lhe iluminar a silhueta e protocolar pequeno testemunho. Sobre a bancada, remexeu em pastas procurando dados entre os dedos, como quem colhia frutos de própria estação. Deletou pensamentos, buscou arquivos e o abraço dos amigos. Recordou-se de quando expelia arco-íris pelos poros, do sorriso fácil e que construía degraus de nuvens entre os versos. Que um dia amou e no outro também.

[Em pedra-ferro, cravada à beira do abismo, entre o temporal e o sol laranja, rezava a escritura:

é esta a minha terra,
o lado norte dos versos,
um país, uma palavra
toda a verdade.
terra branca
letra e poema de tantos segredos
dentro e fora de mim,
a semear braços, horizontes de anis
e outras moradas
onde escrevo,
aplaino rimas
e reinvento silêncios

De entre as pastas, selecionou apenas duas. Saúde e justiça são irmãs da mesma verdade e parceiras da mesma dor.

[Lenda, Poemas em Autoplágio ou apenas imaginação. Cravada à pedra-ferro, rezava a escritura:

o poema corre-me com a água
do canto
lava leve lembra
é este o som é este o sentido
porque as estrelas de dedos longos sempre tocam
as portas e os girassóis
que cabem no mundo:

é aqui, no verso,
que sou todos os homens
é aqui, no verso,
que me esqueço do tempo
é aqui, no verso,
que escavo o fogo.

eis-me o verso.


Com semblante seguro, passou pelo umbral carregando as pastas em baixo do braço esquerdo e mais duas gotas de certeza: homens de bem e poesia jamais falecem a causa da senhora realidade.

Foi quando o poeta tocou a primeira nota sequencial para seus versos e ela espirrava como a alma.

                                                        Em memória do poeta Wilson Caritta Lopes
(1964-2013)

Ana Cecília Romeu & Jorge Pimenta

23 comentários:

  1. Comentei ontem na Aninha: que emoção e que linda parceria,Jorginho! Fez Luz no Voo do Poeta, onde quer que esteja...De molhar os olhos...

    Beijo grande!

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    1. as palavras ganham especial amplitude em momentos como este, taninha, momentos que nos unem, instantes de todos...

      beijo grande!

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  2. Emocionante ver réstia de poeta Caritta em vozes tão afinadas! A poesia retribui com muita luz a quem se entrega a ela e se deixa revelar!

    Beijos aos meus queridos!

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    1. cordão de sangue em redor da luz: porque há trilhos que se apagam para iluminar os passos que os sulcam.

      beijos em retribuição amiga, jô!

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  3. Sinto o mesmo, Jorge, que a partilha das palavras contigo na construção das letras plurais, aquelas que se transcendem pelo olhar dos leitores, dos amigos, de quem acessar a nossos escritos, são sempre momentos de relevância.

    Mas esta parceria: Nota sequencial para versos de outrora, - é por demais especial. Pois em memória do poeta e amigo Wilson Caritta Lopes, alguém que fez e faz diferença, gentil e generoso na partilha da palavra-poesia e todos seus significados. Alguém que fez da vida uma extensão de sua própria poesia, e isso se cumpre hoje, como se cumprirá amanhã e depois,e depois... Ou não fosse o circulo de luz que formou-se em torno do nome dele, sua obra, e toda a poesia conjugada num sentido plural e coletivo, mas construída bem dentro da alma, na sétima gaveta que nos alicerça e nos edifica num todo, e ela espirra e esguicha sonhos e eternidades!
    Muito emocionada... Jorge, meu amigo...
    ...

    Deixo-te e também a todos nossos amigos que por aqui passarem para ter conosco, o último parágrafo de uma crônica que fiz como sequência desta nossa parceria, portanto, também sequência de nossas palavras e a de todos nossos amigos que aqui conjugam letras, sonhos e eternidades, e sim, possibilidades. Eis aqui:

    E cumpre-se o que um dia escreveu o poeta Wilson Caritta Lopes em Entrega de amor para o profeta da ilha: “um anjo mora acima do poema...”. Anjos que sobem prematuramente por degraus de nuvens e deixam obras, família, amigos, amores, mas que se eternizam na sequência do olhar, da voz e da vez de quem um dia sorriu junto a eles.

    Meu agradecimento a todos pela leitura e pela companhia.

    Beijos emocionados, Jorge!

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    1. quem se entrega por amor, vive acima do homem e das suas pequenezes; passa a ser plantador de sonhos nas searas da palavra, esse lugar a acender candeias que inspiram e guiam, resistindo aos ventos que a indiferença, a intolerância, o egoísmo e todas as vilanias que tantas vezes se nos agarram ao corpo sopram.
      é o anjo acima do poema, porque é simultaneamente anjo e poema bem para além dos homens e do que tão trivialmente o define.

      beijos!

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  4. Intensas palavras
    delicadamente amenizam a singularidade do instante.

    Bela parceria!
    Abraços aos queridos poetas!

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    1. há estados que como bem sublinhas, marlene, apenas se amenizam. e como as palavras são espelhos desse raspar de pele...

      abraço meu!

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  5. Eita Jorginho e Cissinha! Que poema maravilhoso, e postagem bela essa!
    A parceria de vocês tem tudo pra dar muito certo. Parabens!

    Gosto muito de vocês dois!

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    1. um abraço, andré! sempre ternas e simpáticas a tua presença e palavras.

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  6. Belíssimo! são leituras como estas que nos elevam e nos permitem acreditar...
    levo as palavras do poeta Wilson Caritta Lopes com um doce calor na alma.

    beijinho e parabéns a ambos!

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    1. andy,
      acreditar é aqui a palavra-chave. acreditar que tudo valeu a pena, que tudo vale a pena, que ainda há muito a valer a pena nesse lugar outro onde tudo e nada podem ser apenas advérbios ou tão mais do que advérbios... há dias em que a fé me diz que sim, outros em que me devolve ao silêncio de pequenos vazios sem retorno. e hoje que chove tanto... e do lado de dentro?

      beijinho!

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    2. let it rain on me...
      beijinho-sol

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  7. a morte do Caritta me abateu num grau fortíssimo. precoce ausência! pensei: todo ser me dói, mas pelos poetas sofro mais. e sofro, ainda mais, pelos poetas que pisam nas minhas viagens insólitas, talvez, porque eu acredite nas suas eternidades, no entanto, diante da crueza do instante, vejo que tudo é apenas ilusão. os poetas são, ainda mais que os homens, tão mortais.
    achei bonito encontrar Caritta, bem aqui, junto a vocês.
    bjs, meus queridões

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    1. só o corpo da palavra se eterniza, ira, nenhum outro o consegue...

      beijinho!

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  8. queria ser sensível assim, mas sou capricorniana...

    por que as estrelas tem dedos curtos, aqui?

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    1. a arte de saber chegar, de saber tocar, de saber afagar nada tem que ver com as dimensões das mãos ou dos dedos, andie... as estrelas e os poetas sabem-no tão bem quanto nós.

      beijinho!

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  9. um encontro de três vozes em maestria
    e uma singela homenagem


    beijo e abraço

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    1. polifonia com a presença sempre especial de tantos em torno do altar das palavras e da memória.

      abraço, assis!

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  10. A sensibilidade da homenagem é encantadora. Li a postagem na Cissa e me emocionei. Vocês dois brilharam. Bjs.

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    1. grato, marilene. as circunstâncias comovem e as palavras sangram.

      beijinho!

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  11. Dois seres, duas almas sensíveis que tocam de forma sentida a mesma melodia...
    As notas soltam-se pungentes, qual lágrimas em catadupa, unidas no abandono.
    Um beijo ao poeta e à poetisa!

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  12. Jorgíssimo. Comentei na postagem da Cissa. Me emocionei. Uma homenagem ao grande poeta Wilson Caritta por outro grande e querido poeta português em conjunto com a querida Cissa , amei. Uma parceria única e especial.
    Parabéns aos dois.

    Não sei se consegui comentar na sua última postagem. Quando dei "enter" não apareceu nenhum sinal. Volto para rever e recomentar.
    Bjs.

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