O destino que se cumpra,
se o destino for
Eu apenas quero a flor
de uma última penumbra,
onde a sombra,
entendo eu,
é apenas o lugar
onde a luz
pode declarar-se
verdadeiramente.
Wilson Caritta Lopes
fotografia de jorge pimenta
Vestido de preto, entrou no quarto de hotel. Dirigiu-se até uma bancada sem acender as luzes. Do lado direito das cortinas cor areia, um feixe recatado de luz pedia licença para lhe iluminar a silhueta e protocolar pequeno testemunho. Sobre a bancada, remexeu em pastas procurando dados entre os dedos, como quem colhia frutos de própria estação. Deletou pensamentos, buscou arquivos e o abraço dos amigos. Recordou-se de quando expelia arco-íris pelos poros, do sorriso fácil e que construía degraus de nuvens entre os versos. Que um dia amou e no outro também.
[Em pedra-ferro, cravada à beira do abismo, entre o temporal e o sol laranja, rezava a escritura:
é esta a minha terra,
o lado norte dos versos,
um país, uma palavra
toda a verdade.
terra branca
letra e poema de tantos segredos
dentro e fora de mim,
a semear braços, horizontes de anis
e outras moradas
onde escrevo,
aplaino rimas
e reinvento silêncios
De entre as pastas, selecionou apenas duas. Saúde e justiça são irmãs da mesma verdade e parceiras da mesma dor.
[Lenda, Poemas em Autoplágio ou apenas imaginação. Cravada à pedra-ferro, rezava a escritura:
o poema corre-me com a água
do canto
lava leve lembra
é este o som é este o sentido
porque as estrelas de dedos longos sempre tocam
as portas e os girassóis
que cabem no mundo:
é aqui, no verso,
que sou todos os homens
é aqui, no verso,
que me esqueço do tempo
é aqui, no verso,
que escavo o fogo.
eis-me o verso.
Com semblante seguro, passou pelo umbral carregando as pastas em baixo do braço esquerdo e mais duas gotas de certeza: homens de bem e poesia jamais falecem a causa da senhora realidade.
Foi quando o poeta tocou a primeira nota sequencial para seus versos e ela espirrava como a alma.
Em memória do poeta Wilson Caritta Lopes
(1964-2013)
Ana Cecília Romeu & Jorge Pimenta