sexta-feira, 15 de novembro de 2013

galeria: a asfixia da voz de vez


entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

Mário Cesariny, You are welcome to Elsinore


fotografia de jorge pimenta


há palavras que não chegam para
te dizer,
estáticas mínimas
contaminadas de sílabas
e outras teias de mar
com que desprendes porto e pouso.

por isso passas
segues à velocidade
da luz
deixando,
entre as mãos e a obra,
umbigos de
tinta rasura e folhas rasgadas
a rugir imagens
e espantos:

é preciso ver
é necessário tocar
é urgente desintegrar as palavras
e todas as suas mentiras

de vez.


 

21 comentários:

  1. Ah, como me lembrei do poeta Manoel de Barros te lendo agora!

    "No descomeço era o verbo.
    Só depois é que veio o delírio do verbo.
    O delírio do verbo estava no começo, lá onde a
    criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos.
    A criança não sabe que o verbo escutar não funciona
    para cor, mas para som.
    Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira".

    Manoel de Barros adoraria o poeta Jorge Pimenta...rs Delirantemente maravilhoso!

    Beijos, Jorginho!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. taninha,
      como sei e gosto - e quanto! - do que manoel de barros escreve. como nesta mudança de função da palavra que mais não é do que um reinventar do dizer e de todos os mundos nele apenas possíveis.

      tão lindo, isso! um beijo, querida amiga de voz fina e delicada!

      Eliminar
  2. só quero que o corpo letra esteja à vontade de todas as vontades!

    Beijos, meu amigo das imagens pulsantes

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. o corpo-letra preso a tantas encruzilhadas enquanto as vontades são apenas quimera e adivinha.

      beijinho, jô de tantas fulgurações!

      Eliminar

  3. Sob a pele da palavra há um íntimo que o homem só alcança quando se entrega ao delírio, no mais, toda superfície é vã.
    Jorgito, sua voz sempre me espanta, mas há momentos, como este, que sou o poema. É como me sinto
    Bj, poeta-amigo queridíssimo

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. esse íntimo que é lá, o centro, a cama e o corpo, ventre em respiração, lá luz, chama e olhar. lá pele longa e nua, viagem e travessia, lá... onde somos todos os lugares.

      beijinho, ira-poema!

      Eliminar
  4. é preciso, é necessário, urgente...
    desminto.
    o poema tem lamina e corta.

    jorgíssimo, cá estou, domingão, meio quintal com os restos do verão (as folhas que o outono implacável atirou sobre a minha miséria, esta cacunda bichada...e mais uns 50 euros de preguiça)... pra variar, meio friozinho em nova jérsia... como diria guimarães rosa, o que precisamos na vida é coragem.

    ainda estou de ressaca do título brasileiro. somos, depois de dez anos, campeões. na próxima ida a Braga, levarei uma camisa do glorioso procê.
    e você, encarnado de alma, vestirá Azul pela primeira vez.
    ficará feliz em Azul.

    tanta coisa pra contar. tanta.
    e o tempo insiste em nos driblar.

    saudades dos meus aí em braga.

    abração do

    r.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. são tantas as nossas urgências, robertílimo, que definimos objeto, momento e energias. quando cumpro a primeira da lista, estranhamente não me sinto cumprido e salto para nova urgência... é então que me dou conta de que não tenho urgências; antes sou a urgência de alguém que me urge, que me impele, que me precisa: o tempo, ele mesmo e só. irónico, hein?
      haja, por isso, muitos domingos de meio do quintal, a olhar com orvalho nos olhos desse outono benfazejo que é ele mesmo a metáfora da beleza - a intangível.
      eu mesmo, hoje, andei para aqui e para ali, apanhei dióspiros (caquis, creio ser assim que lhes chamais), estiquei preguiças num sofá, escrevi umas nulidades e li umas outras para terminar o dia agarrado ao televisor a ver o glorioso de encarnado cá da terra num jogo de futsal. nada de tão grandioso quanto esse campeonato que cobrávamos há já 10 anos e que será apenas o primeiro de uma longa série.

      um abracílimo desde esta terra que é tua e que te sente como eu sinto.

      Eliminar
  5. de vez
    a voz
    em vão

    ...

    beijo, poeta precioso!

    (um espanto atrás do outro...)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. e o vento a assobiar-me nas folhas do corpo...

      beijos de cristal nessa tua voz de luz que luz.

      Eliminar
  6. arrebatador!

    um beijo imenso, querido amigo!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. nessa tua palavra, todos os mundos e demais significações: amigo. assim te sinto, andy, desde as viagens de luz e sombra há já tantas vidas...

      beijinho!

      Eliminar
  7. Muito bela a foto.
    Há palavras que não chegam e outras que são vãs. Mas sentidas são quando ficam de lado e a conversa se dá com as mãos. Bjs.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. quantos silêncios chegam mais longe do que as palavras? há tantos momentos em que dizer o silêncio é tocar o outro da forma mais perfeita, porque sem filtros, redes ou muros...

      beijinho, marilene!

      Eliminar
  8. cada vez mais palavras
    e este submergir
    afogando em céu e palato



    abraço

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. cada vez mais palavras
      e a triste certeza de
      ao morrer não ter dito
      tudo.

      abraço!

      Eliminar
  9. Meu querido amigo e poeta Jorge Pimenta, que saudade de ler as suas palavras, de abraçar a sua poesia, de sentir o aroma das letras que embalam as canções fotografadas por ti...

    Como é gostoso voltar!!! Que saudade eu estava de você!!!!

    "é preciso ver
    é necessário tocar
    é urgente desintegrar as palavras
    e todas as suas mentiras

    de vez."

    É preciso tocar as suas palavras!!!

    Abraços meu querido poet'amigo!!!!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. suzaninha,
      o melhor, depois do naufrágio de viagens de luz e sombras, é sentir que as correntes que navegámos permanecem intactas. e este reencontro com tantos que se fizeram marujos comigo é, mais do que o desejo, a firme certeza de que no dizer habitam tantos infinitos.

      um abraço vivo regozijando com a tua presença.

      Eliminar
  10. Jorge,
    Trago-te uma poeta argentina que ainda estou conhecendo, Alejandra PIzarnik, cujo poema: Excerto, - penso, traduz minhas impressões.

    "no, las palavras no hacen el amor
    hacen la ausência

    si digo agua ¿beberé?
    si digo pan ¿comeré?

    Beijos!

    PS.: Enviei-te um e-mail, no entanto muito rápido e me esqueci de te dizer o essencial: que adorei tuas palavras, e também não sei se as mereço... Mereço-as?
    Se tiveres alguma alteração, me passes até dia 20, tá bom?

    Mais beijos!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. aninha,
      há palavras que têm de ser erradicadas, mas depois há as outras, como as de alejandra pIzarnik, que, fecundadas com a lucidez, se tornam eternidades primeiras. aliás, um tanto em contraciclo com o grito de urgência que deixo no poema, hoje escutei uma crónica de miguel esteves cardoso, a propósito da música eterna moon river, de henry mancini e johnny mercer, em que o autor defende que há tanto do que se diz e escreve que é disparate sendo esse, ao mesmo tempo, um dos maiores fascínios do dizer :)

      beijinho!

      Eliminar
  11. Falei duma vida inteira e, a outra está por contar...
    Não sei se ame ou odeie,
    sei que (des)integra.

    Beijo com saudade, querido amigo!

    ResponderEliminar