O amor vem depois. Era isto o depois.
[...] um poema que se dissolve dentro de mim e que, devagar, sem rosto, desaparece.
José Luís Peixoto, Gaveta de Papéis
fotografia de eurico portugal
Deixámos
estações em cada um das mãos e encostamo-nos à sombra do mar: nem um rugido,
respiração ou estertor. É por dentro, e de cabeça para baixo, que adivinhamos
sentidos para os mapas de outrora e para a geografia da pele, onde deitados ou de
qualquer forma sabíamos o cheiro e a textura dos fins do dia - lisos,
ofegantes, agudos, até adormecerem nos corpos.
A valsa hoje é lenta e as
melodias já não soam como dantes na estreiteza da dança, até porque dos frutos
vermelhos já só lembramos o movimento dos lábios, para cima e para baixo, em
círculos perfeitos que morrem docemente no contorno acidulado do sangue.
O
tempo passa pela luz até à pausa da noite e a risca negra para onde tudo se
volta lateja, como dantes, do lado pardo do coração; conheço as batidas de cor
e o tempo e os lugares entre mim e o tiquetaque do que já não sou. Mas, que
fazer senão riscar um fósforo, acender o verso e regressar, por fim, à planície
vazia da página - de pé, as pernas firmes... e o olhar quase sempre mal
iluminado.