A poesia é, assim, antes de tudo, uma forma de medição. Um presságio do sul [...]. Uma forma de alquimia. Que procura o impossível. Ou seja: o verso que não há.
Manuel Alegre
fotografia de eurico portugal
Aveiro, na companhia do Gangue, amigos-fotógrafos de Coimbra
a tinta a
atiçar tumultos
na intermitência
dos objetos,
lentamente,
como quem
afasta os cabelos
à espera dos
lábios.
pode ser um
ponto só,
um quase verso
adivinhado
pelas pálpebras
ou o emissário
rebelde de um deus
inacessível,
pode ser sinal
curvo a abrir
sulcos na
terra e
na sombra do
gelo
fecundando
metáforas e cedilhas
porque a escrita
atira para cima do peito
anéis de
palavras e uma cruz de
silêncios
roídos.
é aí que ele
deslaça os
passos e se esconde
a escrever,
é aí que ele
desafia a violência
raspada
dos erros,
é aí ele,
talvez-poeta
coração de
rimas amarrado às mãos,
é aí ele,
quase-poeta
deus que
existe sem ter de provar existir:
assim que
conseguir afastar as mãos e
ejacular o
poema,
o nome e a
morada não serão apenas a verdade trocada
nas costas
de uma carteira de fósforos
tão certa
como reticências,
só então ele,
ainda ele,
segura o instante
vago da nudez
e percebe:
eis o poema
a estourar-me nas mãos.
Belíssimos, do "verso que não há", de Manuel alegre, passando pelo espetáculo fotográfico, até chegar ao poema, com imagens tão ricas, como o poema ejaculado. Assombro e encanto, sempre, por aqui.
ResponderEliminarBeijos, poeta!
quantas possibilidades se esgotam nesse verso que não há, taninha? todas. e por não haver, tudo nele cabe. é então que a poesia se faz assombro e alumbramento.
Eliminarbeijinho!
Paradoxalmente, assim nasce a poesia: fruto de um instinto sexual, viril, violento que jorra e explode de dor e prazer;filha dum deus sedutor, que a faz ser sem ter que existir, que a eterniza e sublima.
ResponderEliminarGrata por este momento de absoluta rendição às palavras.
(A foto complementa o poema, e permite outras leituras... Boas recordações...)
Parabéns ao homem-poeta-fotógrafo...
Beijos
alcina,
Eliminaré mesmo assim, a poesia, movimento de ires e de vires de costas para a matéria, sempre indiferente ao sangue e ao com-passo dos dias; rotação e translação de im-possíveis a traçar, sem geometria, a dança luminosa do ser - exorcismo primeiro do que em cada um de nós não é.
beijinho!
Eurico querido,
ResponderEliminarmais do que o processo, a Poesia é vida que se revela, é a escrita onde não há letras, um sussurro afônico ao pé do ouvido, adivinhado, imaginado e sonhado. É o escorrer da alma feito mel, ali, na ponta dos dedos onde a luz decreta o infinito.
E por aqui faço questão de deixar-te o primeiro poema que me foi dedicado na minha vida (na verdade, segundo, pois recebi um na adolescência de um anônimo, nunca soube quem foi o poeta:)).
Julgo ser o melhor presente a se receber. Embalado em papel camurça e fita de palha, um poema é Eternidade, assim mesmo, com maiúscula.
Tecido boreal
- Jorge Pimenta-
alfabetos sem gramática e decifração
agitam o oceano
enquanto a voz desprende
limos talhados com escopo e memória
em vigília espantam feras
e tocam a cassiopeia
porque as estrelas que cruzam os desertos
nunca são o que nos separa dos homens.
Beijos com saudades!
aninha,
Eliminarsó a poesia consome em chama viva enquanto, nas cinzas, o plantador de sonhos se atreve a desenhar com a ponta dos dedos: são imagens sopradas a cavalgar as nuvens enquanto o rosto se dissolve nas mãos: e todo o tecido é milagre acontecido na aurora boreal.
beijinho em tons de orvalho!
Eurico,
ResponderEliminarum presente da poesia-vida:
http://www.youtube.com/watch?v=INgXzChwipY
Mais beijos!
como a luz que não se extingue, há melodias e imagens-tempo que se fazem autênticos poemas errantes no dorso dos dias...
Eliminarmaravilha, este there is a "light that never goes out" e o seu "heavenly way to die" - poema-vida!
beijinho intemporal!
Muito, muito bom!
ResponderEliminarSeiva que jorra e fecunda os sentidos.
Beijinho
a vida a correr, a vida a per-correr, a vida a acon-tecer.
Eliminarbeijinho, sandra!
esse não ter que pulula nas mãos, aquilo que só acontece porque nos corrói uma existência prestes a vicejar, embora não saibamos desse mister quase nada, quase nada
ResponderEliminarabraço
esse não ter que acende as mãos em torno de um quase nada que é, afinal, tanto... e por isso corremos e por isso mordemos e escrevemos com todas as cores que inauguram o sangue do poema; sim eu sei, somos nós quem queima as cicatrizes mais renitentes da terra neste quase húmus com que alimentamos o verso.
Eliminarabraço, assis!
quando se deixa o poema habitar o corpo, perde-se o domínio das mãos!
ResponderEliminarMaravilha!
beijo, poeta amigo!
e é então que tudo se faz [im]possível.
Eliminarbeijinho!
Recolho-me a minha insignificância...
ResponderEliminar