sexta-feira, 10 de maio de 2013

galeria VI


I. diálogo para tempo e coágulo

o homem que falava sozinho
procura o lado cego
da memória
- para quê - pergunta o vento?
- é nele que singram
os braços sujos
da eternidade - responde-lhe

e todos o escutaram


fotografia de eurico portugal


II. canto silencioso para feitiço e infinitos

ela,
mariposa a rugir madrugadas,
boca ferida em entardeceres
enquanto a transparência das asas
morre por dentro e regressa
vazia
à púrpura simetria de pétalas
e versos
que não ousaste morder.


fotografia de eurico portugal


III. trópicos do corpo

chamo-te além de mim
em silêncio:
as palavras perdem a voz
e apagam a ilusão
de uma resposta

traço a compasso tantos
mundos
que quero dizer-te:
mundos que amam
e outros que fingem
morrer
em cada candeia do nosso asfalto.


fotografia de eurico portugal


IV. menoridade

quem ousa saber mais verdades do que a tua,
deus-infante?


fotografia de eurico portugal





14 comentários:

  1. . diálogo para tempo e coágulo: que coisa mais linda, Eurico! O lado cego da memória, essa é uma imagem fatástica!

    Amo ler-te, acho que você sabe.

    Beijos,

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  2. há um lado cego em tudo quanto nos define, taninha, um lado que só a espaços sabemos escutar.

    um beijo desde este meu lado que vê!

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  3. eu fiquei pensando em Quadros de uma Exposição, a peça (suíte)de Mussorgsky, ela tocou inteira na minha cabeça



    abraço

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    1. há composições que nos habitam, verdade?

      abraço, poeta!

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  4. Ainda peço uma fotografia para fazer uma leitura! Deixa? Ou melhor, escolhe uma pra mim?

    Adoro a viagem nas tuas perspectivas!!

    beijo!

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    1. jô,
      seria, para mim, um privilégio ter uma leitura tua de um olhar meu. a que mais te aprouver.

      beijinho!

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  5. ufa! são lindas estas fotografias! caramba! não sei se tens noção!
    as palavras...feitiços a tocar emoções.

    beijinho, doce amigo!

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    1. a tua presença, querida andy, sempre mais mágica que quaisquer palavras que a possam justificar: bom este nosso repetido encontro de dizeres e sentires que vem já dos tempos de circum-viagens, verdade? :)

      beijinho!

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  6. Além de mestre nas palavras, vejo que cada vez mais apuras a arte da fotografia. Ambas poesia e da melhor!
    Beijinho

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    1. obrigado, sandra! escrever com as retinas tem sido um desafio que começa a transformar-se em paixão, também.

      beijinho!

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  7. Eurico querido,
    entre latitudes, longitudes, trópicos, meridianos, afonias, sopros, fotografias que não falam, mas dizem..., recordei-me de uma frase de Gabriel García Márquez, que traduz um pouco minhas impressões que foram muitas para um único comentário:

    "Recordar es fácil para el que tiene memoria. Olvidar es difícil para el que tiene corazón."

    Beijos, senhor fotógrafo!

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    1. aninha,
      recordarei para sempre esta extraordinária síntese do homem, de garcía márquez, que aqui me deixas: porque, se vier a perder a memória que seja nas galerias do coração.

      um beijinho para tantas presenças!

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  8. Ah! Antes que eu me esqueça Eurico, sobre fotografias: postei agora uma crônica por lá, em que queria uma fotografia num tom intimista, noir-clássico. Pensei em executá-la à luz de velas, e não encontrei velas em casa... :) Então arrisquei uma lanterna, para que eu pudesse ter um efeito de foco continuo, sem o uso do flash, e a fiz num quarto totalmente escuro, e por lá está postada. Foi apenas uma brincadeira, mas consegui um ponto de saturação que queria e uma sombra nas pernas da 'modelo' que por acaso é esta que te fala:) pois não houve mais ninguém a se arriscar sair numa foto mal tirada... :(
    Digo isso, pois te sugiro que é um belo exercício de teste de luz o uso da iluminação a velas, lanternas, enfim, tudo que a criatividade alcançar. Nunca experimentaste isso? Pense com carinho, é super tri!

    Mais beijos!

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    1. adoro fotografar em ambientes interiores, pouco iluminados, a desafiar a técnica e o olhar. enquadrar a abertura, controlar o iso e perceber em que medida as projeções avivam ou aniquilam o produto final seduz-me. faço-o, por norma, com luz natural, mas tenho visto já coisas maravilhosas com velas onde aqueles pequenos rastos que alongam a imagem quase para fora do registo resultam em efeitos visualmente muito convincentes. a propósito, no post que hoje publico aqui, há duas experiências com pouquíssima luz; gostei do conjunto.
      entretanto, corro para o humor em conto para conferir o teu novo post - à luz das velas :)

      beijinhos sem negativo!

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