O amor é ter medo e
querer morrer
José Luís Peixoto, A
Criança em Ruínas
fotografia de eurico portugal
é ainda
inverno,
o vento a descruzar
janelas
avançando rente
à enxurrada
dos trilhos da carne.
abrigamo-nos
debaixo da pele,
escondemos
os escombros dos enganos
no desconforto
na cal
e sob ruas
cobertas de búzios que
esqueceram a
geografia do mar.
– de que cor é o medo? – perguntas.
o silêncio é
rasgado pela linguagem
da terra
húmida
onde até as glicínias arrefecem.
– de que cor é o medo? – tornas com os
lábios trémulos.
rostos,
lugares, árvores de fruto e oceanos
habitam-nos
mas agora na
mudez
de vozes
distantes.
os olhos
pousam na luz parda do fim de tarde
enquanto mordiscas
o lábio incandescente
como querendo
entender a linguagem
cor de linho
e duas gotas de sangue
do medo.
aconchegas o
silêncio nas tuas mãos,
abres e
fechas os olhos,
e regressas
à estrada das frases
antes de te entregares à estrada dos homens:
– não quero um tempo em que apenas eu
envelheça.
para trás da tua ausência
o rasto de um
perfume manso
cai através
do corpo dentro do tempo
dentro da
idade
dentro de
mim.
por
companhia
o vento e a
tempestade
das palavras
que não se repetem
mas ressoam eternas
no charco da memória:
de que cor é o medo?
chamo a voz
como a dois versos
e aliso os
cabelos negros da verdade:
– só tu sabes que este poema é teu
neste tempo já futuro
ainda mais cedo do que nós.
a voz engole
a boca
e lá fora continua
a chover dentro
dos corpos.
Intimidade. De repente, choveu. Ventoe tempestades de palavras. Búzios que senti com os pés e com as mãos. Penso nos que desconhecem a poesia. Nos que não sabem sentir pelo olhar e pelo suor do poeta. Pelas chuvas que caem distantes. Tua paisagem foi minha. Tua alma tão próxima. O poema tão meu, embora teu. De que cor é o medo? Ecoará a pergunta. Pelas horas que ainda faltam hoje. Talvez para sempre.
ResponderEliminarTe ler é abri páginas que eu desconhecia de mim. Te ler é um assombro. Obrigada.
Beijos,
as paisagens raramente são lugares exteriores às retinas de quem as contempla, porque umas e outras são matéria dentro da matéria: exata e incerta. assim o(s) poema(s) se faça cada um de nós.
Eliminarbeijo, taninha!
Difícil comentar este poema e tão fácil de dizer afirmações como: poema de desalento, de dor, de desconhecido, de medo... mas de um eu que - dizem - vai sair a ganhar; e quanto mais não vale isso diante de mãos vazias... Mas é a verdade.
ResponderEliminarjá assim a canção dizia: uma mão vazia e a outra cheia de nada. num e noutro caso, porém, uma e outra mãos com coisa alguma: o desejo de agarrar - aquilo que as define.
Eliminarabraço!
para quem lê com a pele, as palavras não se repetem...
ResponderEliminar"a voz engole a boca
e lá fora continua a chover dentro
dos corpos."
é bem assim que acontece quando a gente incorpora o que lê, hum?!
beijo, meu amigo... muitos sorrisos pela tua passagem lá no meu canto!!
nenhuma palavra é senão os comboios, os navios e os aviões a iludir a embriaguez das viagens impronunciáveis.
Eliminarbeijo, jô!
chover dentro dos corpos?
ResponderEliminarcomo é que eu não pensei nisto antes, poeta?
vou processar o amigo... vou processar....rs
a cor do meu medo é cinzenta-amarelada... como em tardes que anunciam nevascas...
esta é a cor do meu medo.
a forma do meu medo pode variar, poeta.
ultimamente, tem forma de mulher bonita, de nuvem, de punhal nas costas... pode ter forma de peixe. de espinha de peixe. pode ter forma de escamas.
abração, bardo da pedreira
do
r.
ps: by the way... na pedreira, hoje, é 2 a lona, pra nós.
podendo, veja isto: http://www.youtube.com/watch?v=yA36wU4jgj4
robertílimo,
Eliminarora aí está o que por vezes se esquece: o medo não é o monstro mas as mil sombras do monstro. e quantas são as suas faces? hoje umas, amanhã outras... felizmente, e que no que diz respeito a um dos medos de ontem, lá despachei o da pedreira por 1-2, numa show memorável (andaste lá perto quando atiraste com o dois a lona :). e agora que venha o próximo :)
p.s. voz poderosa a do grandalhão dos gnarls barkley, dessas que espreitam por debaixo da roupa à procura dos arrepios que fazemos por nunca revelar. e aqueles versos iniciais, então... (i remember i remember i remember when i lost my mind) - o que invariavelmente recordamos é o que se fez para esquecer.
abracílimo!
O poema pertence exatamente a quem o lê! As imagens são erguidas no tempo, que pode ser antes ou depois de nós, com olhos, rostos e oceanos, tudo tão único como a vida que cada um entrega a si mesmo.
ResponderEliminarEis aqui um poema meu, e vou trançando-o aos cabelos até a verdade, todas as chuvas que caem habitam o poço da memória, esta memória humana que vai envelhecer com tudo que já há aderido nela desde a origem do homem.
De que cor é o medo? Talvez, apenas, os mortos que voltaram saibam responder.
Meu amigo de todos os tempos, se ausentas tua escrita, que seja de um par de olhos, cometes pecado mortal. Não faça-o mais!
bj meu, de todos os medos, de quem não quer um tempo de envelhecer sozinha, apesar de
ira, querida amiga,
Eliminaro tempo e os seus templos: torna-se tão nítida a palidez da geografia do rosto na sua contraluz. e, contudo, esperneamos, agitamos os braços, rangemos dentes e até as veias rasgamos mas nada disto se faz senão charco de saliva na imensidão do incêndio.
beijo de amigo nesse teu coração imenso!
o medo esse monstro alado, que sobrevoa os mais recônditos e inocentes perfumes que nos assaltam...
ResponderEliminardilui-se e confunde-se num espectro de nenhuma e de todas as cores.
antes que nos consuma com as suas labaredas de gelo, fica a imagem de uma brisa soprando um mar calmo numa manhã a fluir para lá do tempo...
beijinho, meu tão querido amigo.
e o medo, como o poema, se faz gente, no rosto, na forma de olhar, de caminhar, de oferecer as mãos, no jeito de morder e logo cuspir para longe os pedaços de noite que dissimulam o desassossego.
Eliminarbeijo, querida andy!
Eurico querido,
ResponderEliminarmuito, muito belo!
Recorri ao poeta uruguaio Mário Benedetti e dele trouxe dois fragmentos de “Soledad”.
“hay diez centímetros de silencio
entre tus manos y mis manos
una frontera de palabras no dichas
entre tus labios y mis lábios
y algo que brilla así de triste
entre tus ojos y mis ojos
(...)
a veces no me siento
tan solo
si imagino
mejor dicho si sé
que mas allá de mi soledad
y de la tuya
otra vez estas vos
aunque sea preguntándote a solas
que vendrá después
de la soledad.”
Beijos!
PS.: “O que virá depois da solidão?”
ana cecília,
Eliminarnão será a solidão uma parte integrante do genoma do ser humano? o que virá depois dela senão placebos e panaceias com que a tentamos iludir? e o amor, não será destas senão a mais forte e procurada? algures entre o homem e a felicidade, há de haver sempre centímetros de silêncio, fronteiras de palavras por dizer e pequenos cristais brilhantes a orvalhar o rosto.
benedetti é, pelas tuas mãos, toda uma poesia que se me gruda na pele. não sei se está publicado em portugal, mas sinto falta dele na estante dos imperdíveis. para já, vou-o lendo aos poucos, pelos recortes que a internet permite.
beijos!
Vamos torcer pela recuperação do Morrissey e que retorne logo aos palcos. Seria um sonho assistir a um concerto dele!
ResponderEliminarFaço escala em Porto para te buscar e irmos juntos, Eurico?
Esta é a minha proposta: garanto os ingressos e levas o vinho verde :)
Até, nos vemos!
Este comentário foi removido pelo autor.
Eliminartenho lido umas quantas coisas sobre o que possa ter sucedido bem como sobre o seu estado e regozijo-me porque aparentemente não terá sido nada de grave. espera-se o seu regresso aos palcos já a 8 de fevereiro, não creio que, no imediato, ao brasil ou a portugal. mas, que importa? qualquer lugar se fará o melhor lugar. o vinho verde está já no frio, a aguardar, pois, o momento certo :)
Eliminarbeijinho!
tu às vezes assustas-me, porra
ResponderEliminardo caraças, eurico
beijo
que nos torça, que nos soque, que nos atire ao tapete, mas que não nos vença.
Eliminarbeijo, laura!
p.s. e sobre assustar-te: é no que dá ter-se uma cara destas :)