[…] mesmo que já não tenha ideia dos tempos que já
passaram
das pessoas que já não estão
e das almas sem corpo que nos pedem todos os dias
baixinho para resistir
resistir mesmo sem forças
sem futuro
e sem lembrar o passado
João
Negreiros, Ode ao filho da puta
fotografia de pedro ferreira
ergo o
cigarro com a língua alta
à procura de
silêncios, de
queimar as
pontas
das
cicatrizes e de não deixar
que a noite
desate a doer.
é de sal e
frio toda a linguagem que
nos ensinou
a ver
e os olhos,
em
crepitante loucura,
afundam-se na
ceifa
como se o
amanhã fosse todos os nossos dias.
levanto-me
e,
arrastando o
casulo, perco os passos
entre o
balcão e a pista de dança
guiado por
uma garrafa que me prende
ao teto de
nuvens
às pétalas
de açucena e a tudo
o que estremece
na estação passada dos corpos.
até a canção
da jukebox é antiga
como as
erosões da pele
quase muda
porque me
não equilibro já nas palavras nem na voz.
há um copo
vazio que desafia a atenção,
entorna-se debaixo
de mim
roubando-me
a coragem para
enterrar o
poeta e
voltar a
amanhecer.
uma ave
acorda
nos arbustos
de metal
segreda-me
ao ouvido telhados de nunca-alcançar
e eu, sem
saber
como varrer
o hálito para debaixo da noite,
estendo as
patas, agito as asas e levanto
voo
à procura de
outras mortes.
euriquíssimo,
ResponderEliminareste é, talvez, o poema de sua lavra que mais me emocionou.
trata-se de um poema dark, um momento blade runner, fotografia meticulosa deste animal esdúxulo e de asas (homem-pomba do apocalipse???), eu sinto assim.
e tatuada ficou a imagem dos arbustos de metal, dos quais não florescerão bulbos de papoulas fosforescentes.
abração, poeta.
r.
robertílimo,
Eliminardark como este tempo diluviano que, há semanas, lava a pedra e o musgo dos ossos. mesmo que o negro procure ser não tão negro.
abraço, porque é com os braços em círculo dos amigos que deixamos de chover.
Ser-se ave, ainda que à procura da morte, é ser-se sempre ave. E ser poeta. As aves têm o seu quê de poético.Mas também dizem que quando sonhamos que voamos é porque há um desejo de fuga em nós, então sonhar que se passeia sobre o chão, não é fugir, é encarar a realidade bem de frente, mesmo que seja a da ode ao filho da puta. Voar à procura da morte é voar à procura de chão. As angústias são a incerteza certa. Que dizer mais?
ResponderEliminarvoei neste teu rasgo sobre céus e chãos, célia, porque também as palavras abrem rotas, rumos e destinos.
Eliminarum abraço!
Uau! A saga do poeta, intensamente percorrida no interior recôndito.
ResponderEliminarBeijo.
quando nos deitamos sobre as nossas próprias ausências - por dentro e por fora.
Eliminarbeijo, larinha!
deitar sobre as próprias ausências...
Eliminaristo também é um poema.
abs,
r.
deitar com as ausências e erguer com as presenças. isso sim, um poema, e já em 2013, espero eu. há aqui um tantão de amigos à espera...
Eliminarestendo-te os braços desde um país e todos os seus lugares que é/são teu/teus, robertílimo.
Eurico, Eurico...você me deixou em silêncio profundo. Quase repito o Robertoe digo que este poema é um dos que mais me alcançou...mas é mentira, porque acontece que tua poesia chega na hora certa. Eu tenho uma coleção de poemas preferidos escritos por você! rs
ResponderEliminarBeijos e ahhhhhhhhhhhhhhh....o comentário da alma.
taninha,
Eliminara tua amizade e a tua generosidade - que não têm tempo -, essas sim, alcançam e fazem-no pela palavra e pelo tanto de além dela. um beijo grande!
"levanto-me e,
ResponderEliminararrastando o casulo, perco os passos
entre o balcão e a pista de dança
guiado por uma garrafa que me prende
ao teto de nuvens
às pétalas de açucena e a tudo
o que estremece na estação passada dos corpos."
nossa... quantas imagens!!
deu vontade de olhar debaixo da pele da tua mão... deve ter aí uma passagem secreta e seus tantos caminhos!!
delirante, meu amigo!!
beijo, beijo, beijo...
jô,
Eliminardebaixo da pele, nada senão aquilo que é parte de nós mesmo tendo deixado de nos pertencer. até o sangue e os músculos se contraem em alucinação silenciosa.
beijo grande, querida amiga-poeta!
quando um poeta levanta vôo, nenhuma outra ave o alcança.
ResponderEliminaré incrível que, depois, de um poema soberbo, de um vôo que só os grandes poetas realizam, vc ainda tenha asas para voar mais. e do agito das penas caiam outros pequenos poemas, não menos soberbos (seus comentários).
bj, meu querido poeta-ave
ira,
Eliminaré nos rostos que povoam a vida que se faz o voo da poesia e aí, com todas as palavras e algumas mortes, poder ser-se todas as aves e todos os voos num encontro de rotas que se pressente e se adivinha, mais do que se efetiva. mesmo que de olhos fechados, sem nunca perder o olhar.
beijos tantos!
Eurico querido,
ResponderEliminarArrastar-se ao caminhar e muitas vezes cair sem aviso prévio. Vestir um tamanho menor de casaco na ânsia de apertar o mundo nas costas. Disfarçar-se de homem pedestre, colocar sua melhor fantasia de ontem e contar histórias com diálogos entre o nome e o sobrenome.
Por fim, sentir o romper das tessituras em magistral voo à procura da morte, porque sabe como será a nova vida: um homem pássaro jamais consegue enganar a si mesmo, - eis aqui sua pior prisão e sua maior liberdade.
Três abraços!
aninha,
Eliminardizer o quê diante destas tuas palavras que nenhumas asas outras ousam alcançar? assi é, algures entre a certeza e a sua própria contradição, se fazem voos, com asas e sem elas, num céu que tantas vezes se mascara de chão sob os pés. estejam os braços abertos e a cabeça inclinada sobre o voo que qualquer superfície se fará destino.
beijo!
Ah! Antes que eu me esqueça -
ResponderEliminarhttp://www.youtube.com/watch?v=Wk3BhcMuBDI
e por falar em [não] esquecer, retenho os versos finais:
Eliminar"no me es posible ni tan siquiera imaginar
que pueda hacerse el amor más que volando."
obrigado pela partilha.
beijo renovado!
diário breve da noite
ResponderEliminare da quase loucura
a procura de outras mortes
...
reler-te é um sinal de vida!
beijos tuas mãos, precioso*
a procura de outras mortes e outras tantas sortes, neste espelho de fogo que nos projeta acima das chamas, quando mesmo nos sentimos matéria não carburante.
Eliminarbeijo com um sorriso pelo reencontro de ti, cris!
querido amigo,
ResponderEliminarchegar aqui e saciar a minha sede de poesia.
e neste teu voo sem limite, sentir um arrepio de pele, e querer (eu) ser mais asas saboreando os céus...
beijo-chuva
(o tempo alojou-se na pele mais frágil)
andy, doce amiga,
Eliminaro tempo-chuva que se nos aloja na pele e a pele, esse monstro de dedos longos sob o qual nos abrigamos. haverá limites para além dos céus?
beijinho!