Aquele café além é acolhedor. Não tomas nada?
Um chá fazia bem à tosse. Perguntaste E disseste.
Sim, um chá calhava bem. Estava mesmo a apetecer-me.
Parece que adivinhei. Disseste. E aí sorri eu.
Tomámos chá e de imediato fizemos planos de vida
Que correram mal, imediatamente mal.
Ana Salomé, Lume
fotografia de eurico portugal
um ponto cravado no escuro
imobilizando o frio,
três casarios contíguos
e a respiração de quem não se atreve a enfrentar
a noite.
lá dentro
tudo ruge tudo vibra tudo alcança
por entre vultos com rosto
que perdem retinas no azul da alma
de cada objeto.
sobre as cabeças,
um céu de espuma
a amaciar os dias que ali se sustêm.
estendo as mãos para o livro
que me agarra os dedos
segredando o esquecimento
de todas as mortes ateadas
pela poeira dos cigarros –
a mão queimada
as flores quase abandonadas
o livro,
não lhe leio um autor
adivinho-lhe o título,
a história, essa, sei-a
de cor.
a vida abeira-se de mim:
uma criança que passa em furiosa correria
dois velhos explicando como nasce a morte
e um beijo asfixiado na menstruação da mentira.
com avental de renda,
a vida cada vez mais próxima:
– o que vai ser?
– uma chávena de chá
azul
como os pássaros e a voz
a adormecer no coração das palavras,
uma chávena de chá
azul
muito quente
a queimar a porta
e o seu caminho,
uma chávena de chá
azul
a fumegar no rosto
duas linhas de água infinitas,
uma chávena de chá
azul
a adivinhar-me feliz nesta estação
em que permaneço deitado
sem roupa
a tiritar
no inaudível canto da noite
que nem cheguei a conhecer.
ergo os olhos,
o chá acabara de chegar:
incolor, frio, fogo negro
como todos os pedidos impossíveis.
sobra o silêncio a envelhecer no ar.
Meus olhos quase se perdem quando "a vida abeira-se de mim"...
ResponderEliminardifícil falar nesta hora!
Beijo,meu amigo poeta!
os olhos perdem-se nos dias lentos, talvez sem regresso. mas a vida: ainda intacta.
Eliminarbeijo, jô!
Nunca devias ter silenciado a tua voz.
ResponderEliminarOs velhos sabem sempre mais do que nos, ainda quee disfarcados na sua sana loucura!
Para quando um cha, pergunto eu . . .
Beijo
há momentos em que a voz perde a frescura, a pureza de dentes brancos e a boca quase apodrece nas palavras que cuspimos. é a voz que nos silencia nesse então...
Eliminarabraço, laura!
p.s. para já. e se chá, que não azul, porque não quero enredar-me nos pedidos impossíveis.
Eurico querido,
ResponderEliminarnossa!
Chá azul -
aquele momento em que decidimos colocar mais dois pontos na sequência daquele único que a vida nos impôs.
Beijos muitos!
PS.: Saudades de ti e da Laurinha..., saudadão, aquela no aumentativo que aprendi com vocês!
Pois os convido a um café noir forrrrrte daqueles que inauguram tudo e ainda mantém. Porque acredito que as reticências, quando de fato queremos, sempre convergem a muitos pontos de exclamação. Devo ir, ou vocês aportarão aqui nos Pampas?
Beijos em vocês regados a café (tamanho litrão!) e amizade forrrrrte e sincera!
aninha,
Eliminarque a pontuação nunca feche; antes abra mundos e todas as possibilidades.
quanto ao café, gosto dele negro, bem forte, a aquecer pelo lado de fora e de dentro. pois, se aqui ou nas pampas? o melhor será mesmo um aqui e outro nas pampas. é que as coisas boas e mais que desejadas, mesmo quando repetidas, nunca são iguais ou demasiadas. a laura alinha certamente.
beijos com saudades de ti e de nós os três juntos!
o silêncio evapora, euriquíssimo.
ResponderEliminare sai fazendo barulho, cantando seus pneus por aí.
a caneca é azul.
fosse encarnada - como a camisa do glorioso SCLB - o chá teria tido outro sabor...
certo???
fiquei olhando pra sua mesa e me lembrando da mesa polaca, as moças cruzando e descruzando as pernas como se os dois velhotes na mesa em frente estivessem prestando atenção.
abração deste seu amigo,
r.
o silêncio evapora, robertílimo, e um pouco de nós consigo.
Eliminarpois, a escrita deste texto soa a heresia: chá azul, o que esperar dele? mas igual heresia é chamar o glorioso slb de sclb, hehehe!
esta mesa que aqui vês correspondeu a uma experiência fotográfica repetida umas 200 vezes até conseguir chegar ao resultado pretendido [é o preço a pagar pelo amadorismo]; já a outra mesa era bem mais interessante, cosmopolita, poliglota, e visualmente vistosa. :) aprendi umas palavrinhas em polaco, sim senhor, não porque me interessasse; antes, porque a acústica da taberninha do manel é mais que boa :)
abraço deste teu amigo!
Li há tempos que o laranja é a cor mais apetecida pelo estômago (cérebro) e o azul a menos, para comer. Um chá azul destronará qualquer um.
ResponderEliminarainda hoje procuro quantificar os efeitos deste chá em tons de azul, rodrigo...
Eliminarabraço!
Eurico, estou voltando do recesso. Te ler cria anos novos pra mim. Você é um poeta maravilhoso, sabe disso, não? Li e fiquei sem palavras. Vou reler. tentar não perder isso que se abriu em mim, que se abre sempre que o leio.
ResponderEliminarBeijos, querido.
taninha,
Eliminarantes de mais, saber-te de regresso é uma notícia estupenda. espero que o recesso tenha correspondido a tudo quanto nele buscavas.
sobre as tuas palavras, que dizer, senão que são o estímulo maior que possa ter? verdadeira seiva de estrelas em cada verso torcido pela escuridão silenciosa.
beijinho!
querido amigo,
ResponderEliminarfaltam-me palavras para este belíssimo chá azul, segui-lhe o aroma e a neblina e ainda paira no ar tanto do que aqui levo...
um doce abraço!
p.s. a fotografia, linda!
adoro ana salome, conheci a sua escrita através de ti.
andy, amiga de tantas leituras,
ResponderEliminareste azul que aponta ao infinito não raras vezes se confunde com os nossos abismos. onde começa um e outro, pergunto-me?
beijinho!
p.s. a ana salomé é uma das mais talentosas poetas(isas) da sua geração. tive o especial prazer e o singular privilégio de com ela privar de perto e como isso foi enriquecedor.