I - Batom vermelho
E a luz oblíqua a apontar-lhe a mesa e a cadeira. É o instinto do aroma que segue, naquele café, deitado no fim de tarde, onde esquecera os pontos cardeais e as coordenadas com que os homens iludem os passos. À sua espera, Teresa, ela que lhe segredara os milagres do corpo e as verdades que nenhum outro homem almeja conhecer senão pelas sete línguas de sete bocas da mulher. Havia, agora, mundos que começava a colecionar, mais seus do que o bilhete de identidade ou a impressão digital registada num qualquer formulário de polícia. Através do vidro, a silhueta de anjo, obliquando a chávena de café que encostava aos lábios. O tempo parecia ter parado e, na sua imobilidade, um arrepio na pele, um batimento taquicardíaco e o desejo de ser porcelana e partitura musical.
fotografia de eurico portugal [republicada]
II - A-linhamento
E o fio a prumo, a escancarar a boca para as águas, oferecendo, no
anzol, a lascívia e a morte numa migalha de pão por troca com a carne, toda a
carne.
Falo de ti, peixe-peixe, ou de mim, peixe-homem?
fotografia de eurico portugal
para cada quarto do mundo salivam sílabas, um amanhecimento rubro nas palavras
ResponderEliminarabraço
palavras rubras a estender lençóis para noites frias de quarto minguante ou lua nova.
Eliminarabraço, assis!
Ah, lembrei de ti e desejei muito que estivesses entre nós no face. Estamos experimentando uma espécie de repente poético: uma imagem postada, e os poetas criam a partir dela. E lembrei de ti, muito. Chego aqui e encontro essas tão belas postagens.O Batom vermelho é um encanto. Um desfecho com acabamento feito por mãos de artesão poeta. Queria eu ser porcelana e nota musical.
ResponderEliminarBeijo grande,
taninha,
Eliminarpois, não tenho facebook; devo ser mesmo o único cidadão do mundo sem um [:)], mas, receio que cuidar de muitos filhos ao mesmo tempo me retirasse justamente isso: o tempo - que se faz tão delgado, tão exíguo, tão devoluto. tenho pena, sobretudo, nos momentos em que viagens como a que descreves estariam ali, bem junto à mão, à espera de explodir. conta-me, depois, como está a ser/foi.
um beijo com toda a ternura!
euruquíssimo,
ResponderEliminarvocê tem alguma coisa de sebastião salgado?
se não tem, eu vou providenciar.
eu preciso que você veja.
noves fora nada, quero que saiba que eu aprecio muito (eu ja disse isto trocentas vezes) o seu jeito de "olhar" a vida pelo buraquinho da fechadura da máquina de fotografar.
e mais nada se faz necessário dizer.
descolei uma garrafa de porto branco, seco... mas tô com medo de abrir e ele não ter o sabor da "tasca do manel"...
sim, eu sei... sou um rapaz meio estranho...rs
abração meu irmão bracarense,
r.
ps: eu fui ao bar bracarense, no rio. pesquise no google.
é lá que tom jobim e a verdadeira inteligencia brasileira (quando ela existia) se reunia para tomar chope e comer bolinho de bacalhau.
robertílimo,
ResponderEliminarsebastião salgado é um monstro sagrado! e aquele livro seu, áfrica, um ícone à fotografia e à vida para além dela. eu entretenho os dedos e o olhar com estes ensaios, mas, acredita, tem sido uma experiência engrandecedora; agora, dou por mim a estudar planos, a ver fazer, a imaginar cenários - tenho já uns quantos previstos, mas ainda não encontrei o lugar ou as pessoas certas; quem sabe se no teu regresso. :)
sobre o porto que receias abrir, nada temas, caro amigo. pode até não ter o mesmo sabor do servido na tasca do ti manel, mas tenho a certeza de que no palato ficará um tanto da dona helena, das discussões estéreis que alisam a pele e misturam os sangues, das malandrices do peter, da alheira assada, da polka :), das gargalhadas espontâneas, das letras e das não letras, do benfica e do cruzeiro, da boa poesia, enfim, de um mundo que construímos ali durante não mais de 4 dias e que nos ajudou a [re]definir a eternidade.
abracílimo!
sempre tocante ver através de tua perspectiva...
ResponderEliminarnão sei se há influência entre imagem e texto... ou qual a relação entre eles... mas não os misturo, não relaciono uma leitura com a outra... primeiramente enxergo o texto e o desbravo... depois viajo na imagem... e como me demoro nisto!
é muito prazeroso vir aqui!
beijo, meu amigo!
jô, querida amiga,
Eliminareste café de batom vermelho andava a colorir-me a pré-escrita há já algum tempo... faltava-me a imagem certa, daí a republicação de uma fotografia que projeta os passos nesse espaço fechado de tantos encontros e desencontros. já o a-linhamento, começou na fotografia, um instantâneo em ponte de lima, há uns meses, quando, na ponte romana, dezenas de pescadores se acotovelavam à espera que o diligente peixe os escolhesse e, assim, lhes comesse o engodo; as palavras desacotovelaram-se-me a partir das linhas desta imagem.
beijinho!
baton vermelho é o meu predileto quando quero ser sete línguas, sete bocas, porém, há outros mundos, dentro da boca, que me levam ao som da primeira nota de um piano. todos os desejos são merecidos.
ResponderEliminarA-linhamento - há mais dignidade no peixe do que no homem, quando se fala em carne
toda a postagem, um alumbramento!
bj, meu poeta querido
em cada sete línguas de cada sete bocas, quantos desejos se perfilam?
Eliminaré o peixe-homem e a sua loucura, é o peixe-homem e a voragem de ser lábio e beijo no monólogo pardo com que despenha as línguas de incertezas e suas meias-verdades.
beijo, querida ira!
Chego, leio, olho, sinto e fico sem palavras para comentar.
ResponderEliminarJá te disseram que és grande, não já?
Um beijo, Eurico.
sandra,
Eliminarchego, leio, olho e fico sem palavras para replicar.
enorme a tua simpatia.
um beijo grande!
Eurico querido,
ResponderEliminarbah, muito tri!
Confesso que fiquei encantadíssima e muito, muito empolgada com tua prosa poética: batom vermelho!
Pois imaginas que venho na pressa, como já te disse, e por aqui me deparo com essa maravilha que só agora li com cuidado. Sou muito apaixonada por contos em prosa poética, fico pensando na literatura e quantas e tantas letras nos são sequência de vida... ufa!
Se me permites, espero que não fiques chateado, mas a minha cabeça se transformou em arco-iris:
Com a face morna e pálida, Teresa recordou-se da neve que se lhe escorrera por entre os dedos da mão direita há alguns dias, como relógio de areia que marca tempo de enfeite. À espera do homem, sorvia a vida em gotas de café como quem analisa melodia inteira no compasso de lábios macios em clave de sol. O perfume cítrico contornado pelo colar de pérolas misturava-se ao aroma da cor marrom. Acima de seus olhos, fumaças, neons multiformes e alguns desejos para a sequência das horas: ser batom vermelho e mais sete corpos.
Beijos!
aninha,
Eliminaras narrativas são a expressão mais próxima dos passos da própria vida. em ambas, há pedaços de gente a debater-se no tempo, com o tempo, contra o tempo, agarrando lugares que deseja fazer seus ou atirando-os para bem mais longe do que o olhar alcança. a sobreolhá-los, uma voz, mais próxima ou mais distante, consoante pretenda iludir o compromisso com a estória e a história - sua ou de quem adivinha. e há tanto que nos prende àquele fio ténue, quase invisível, onde [quase] tudo se faz máquina de palavras a apontar à absoluta possibilidade. onde começam as palavras e termina a respiração? que importa, se tudo é fábula, se tudo é vida.
beijinho, grato por este novo fio que atira a meada narrativa para além do foco masculino que este batom inicialmente assume. teresa está viva nos meandros da estória e tem, também ela, tanto para contar...
beijinho renovado!
p.s. bah e tri, interjeições gaúchas com sabor a portugal; foi aqui mesmo que as escutei pela primeira vez :)
quantas foram as histórias que começaram e acabaram na mesa de um café...
ResponderEliminardepois disto, o meu "café" não chega sequer aos tornozelos do teu
beijinho
e as histórias que começaram ali, na mesa do café, mas acabaram noutro qualquer lugar, porque os passos levam-nos, tantas vezes, para onde nem imaginamos ser possível.
Eliminarbeijos, amiga!
Há lugares onde somos na medida daquilo que sentimos.
ResponderEliminarAlma que se desnuda para preencher espaços vazios.
Este lugar tem essa magia.
Sinto-me em casa.
Um abraço
Elsa
elsa,
ResponderEliminartalvez porque só a poesia extingue relâmpagos com que os homens teimam em cegar retinas - seja este lugar teu!
um abraço!