O meu nome parou diante
do instante que o guardara.
Evapora-se a roupa, mas não sinto.
Herberto Helder,
Canção em quatro sonetos
fotografia de eurico portugal
nas mãos do
druida cresce a cegueira
insidiosamente
visceral
ergue-se algures
entre os pés e a cabeça
atira-se a
cada ilha do corpo e percorre
as artérias
do tempo,
cruzando
membranas em navegação
cúmplice com
os ossos
do outro
lado do corpo
há gente que
não conheceu
e nem as linhas
que segura entre os olhos
claros e os
dedos
saberão coser
as vagas de sangue
que, em
fulguração vulcânica,
apontam ao
centro da terra,
a sua terra
a cegueira
cresce a seu lado
e mesmo ali,
sentado na
mesa do poema
diante da
chávena de café,
ecoam
palavras
com que rasgou
tímpanos
permanece só
ele e a
cegueira,
a cabeça cada vez
mais centenária
como todas
as coisas com que o tempo
castiga a vontade
secreta de ter
chuva nos
lábios,
esse sémen humano
a lamber os ombros
do desejo
e a alagar recordações
antes de voltar
a perder-se nos orifícios
escuros da
terra,
a sua terra
ali
permanece,
entre as
cicatrizes e o orvalho,
sem ser
capaz de dizer
sou o
homem e o meu corpo ainda
está
por escrever
a cegueira nos guia diante do inominável, mesmo que nada o detenha
ResponderEliminarabraço
e os olhos, esses gigantes de iludir sobre as imagens e os seus recortes.
Eliminarabraço!
corpos por escrever...
ResponderEliminarFizeste-me pensar nas vozes que persistem em se constituírem corpos. Por quê? Se ao pó retornamos...
beijo, meu amigo poeta de tantas viagens!
entre o pó e o pó, o corpo. tantos templos de ser durante.
Eliminarbeijinho, jô!
Esse poema bagunçou com as minhocas do meu cérebro, tantos fantasmas se levantaram querendo voz e tenho tão pouco corpo, e tenho tão pouca vida, talvez, a cegueira seja uma dor que me acompanhou por toda existência, não a das coisas distantes, essas sempre enxerguei com os olhos sangrando por não ter mãos, mas a da que habita minha terra, que é só minha, onde dez dedos não conseguiram escrever um corpo, apenas incompetências.
ResponderEliminarBj, meu poeta amigo, com as cicatrizes e o orvalho
a verdadeira cegueira é a dos olhos que veem, a dos olhos que sentem, mas sobretudo a dos que têm a noção do que é ver e sentir. felizes os outros... todos.
Eliminarbeijo grande, minha querida amiga de tão imensa poesia!
o poema brotou após ler seu comentário. um parto natural, praticamente sem dor, mas repleto de emoção, como são os nascimentos. Usei-o na introdução do poema sem sua autorização, por isso, mil desculpas, mas não resisti.
ResponderEliminarbj, especialíssimo amigo-poetaço
o comentário não é meu, mas teu; afinal, que texto o suscitou senão um teu? de parto natural, também :)
Eliminarbeijinho, querida amiga!
Corpos por escrever e é tanta a pele que nos falta!
ResponderEliminarBeijinhos, Eurico!
A foto parece ter movimento, eu que sofro de vertigens tive uma leve náusea ao fixá-la.
curta é a pele que temos e sobeja a tinta que se derrama. e os corpos à espera que uma caiba na outra.
Eliminarcurioso o comentário sobre a foto: eu, que tenho vertigens, não me apercebi desse efeito; ainda bem que fotografei junto a um corrimão. :)
beijinho, sandra!
Mergulho no mar profundo do poema, Eurico, mas volto às partículas das imagens, sempre cósmicas, e me embriago com a chuva dos lábios, e me encontro na intimidade dos ossos. AMOOOOOOOOOOOOOOOOOOO te ler.
ResponderEliminarBeijos,
taninha,
ResponderEliminaro poema e esse mar profundo que umas vezes nos oxigena as veias, outras nos alaga os pés, quando não mesmo nos afoga.
a tua amizade é um dos bens mais preciosos que a blogosfera me concedeu.
beijinho!
Eurico querido,
ResponderEliminarTentando resumir todas minhas impressões que não são poucas *-*
Lembrei-me de quando fui fazer minha última tatuagem e, com muita curiosidade perguntei ao tatuador qual era a mais pedida, ele me disse que havia uma demanda muito grande pela tatuagem de nomes dos namorados. Disse-me ele que pergunta à pessoa se tem certeza, e a resposta é sempre a mesma, algo do tipo “amo o fulano, e é para sempre – isso é uma prova de amor”... O tatuador me disse então que sabe que ganhará pela tatuagem o valor duas vezes, pois a maioria das pessoas volta meses depois para tentar escamotear o nome do ex-amado, assim surgem flores, borboletas, caveiras, toda sorte de novos enfeites para escondê-lo. Como ele me citou um exemplo, uma moça cujo apelido do namorado era “Johnny” ele acrescentou um “Depp” a pedido dela, e assim, literalmente, o amor ao galã foi mais eterno. :)
Digo tudo isso, pois creio que exista essa cegueira, mas sinto-a mais como uma espécie de “meia cegueira”, os olhos claros de uma catarata, de quem sabe que existe uma cirurgia para a “cura” disso.
Penso que o final do teu poema legitima isso:
“ali permanece,
entre as cicatrizes e o orvalho,
sem ser capaz de dizer
sou o homem e o meu corpo ainda
está por escrever”
Parece-me que há a consciência. O que também leio na imagem, o corrimão como uma porteira para abrir duas direções: esquerda ou direta, mas com sentido definido em declive (o que não quer dizer que seja ruim, pois descer esses degraus podem nos levar à ribeira do Porto!)
Creio que esses olhos claros aparecem no durante entre as cicatrizes e o orvalho, esse decorrer de tudo, que pode ser nada, pode ser dor (que não queremos “ver”) e infinito (que queremos “ver”), mas ainda assim, não é a ignorância e sua bênção – o que faria de nós cegos-inocentes; mas é uma catarata, onde tudo pode ser o olhar, ora nítido, ora turvo. Onde esse olhar pode estar em tudo, na esquerda e/ou na direita, em declive se for sentido único, ainda assim, não só puro determinismo, mas escolhas também, minha e de outro, uma refletindo na outra, as duas à procura do orvalho.
Mesmo com cicatrizes vale a pena esse banho: tentar ser feliz.
Beijos!
a cegueira, aninha, é todos os olhos que temos e aqueles que procuramos; a cegueira é os caminhos que trilhámos e os que não chegámos a trilhar; a cegueira é o livro que não escrevemos porque tivemos medo de o viver ou o livro que vivemos e que não fomos capazes de escrever; a cegueira é o carrossel onde o cavalo de madeira é o amparo que perdemos ou receamos conquistar nos braços humanos; a cegueira é a fotografia a substituir o olhar e o olhar a substituir o coração. entre uns e outros, a consciência de que a verdade começa antes e depois das imagens que as retinas conseguem formar.
Eliminarbeijinho!
p.s. aquele corrimão em declive aponta a dois caminhos e ambos são perfeitos nos lugares a que conduzem - nessa ribeira de águas salgadas antes mesmo da foz.
Eurico!
ResponderEliminarGenesis! Está entre minhas três bandas preferidas, junto com Supertramp e The Smiths.
Conheço o trabalho deles desde os anos 80, mas logo fui me inteirando também da fase Peter Gabriel e tenho a dizer que foi um dos melhores progressivos que já ouvi dos anos 70.
Eles fizeram um show memorável em 1976 aqui em Porto Alegre, da turnê mundial intitulada 1976 - já com Phil Collins, (mas eu era bebê e não fui:)) Fiquei apenas com um pouco de restrição quando eles se legitimaram no que se nomeou de ‘Techno pop’ nos 80, música muito boa para dançar, mas algo se pasteurizou, mesmo assim, muito bem feito: a consagração da dupla Collins e Mike Rutherford, com o muito talentoso Tony Banks, mas creio, por isso, evoluiu novamente.
Nunca mais tinha visto ninguém sequer citá-los.
Beijos!
PS.: Sou apaixonada por esta música, Ripples, da turnê 1976, justamente, e deixo como um presentinho para ti, (escutes em silêncio!):
http://www.youtube.com/watch?v=5tuJ3l6htkk
PS.2: Vendo a tradução da Rippels creio que tem uma ponte com esta tua publicação.
Olha, Eurico, que tri:
“Marching through the promised land
Where the honey flows and takes you by the hand
Pulls you down on your knees
While you're down a pool appears
The face in the water looks up
And she shakes her head as if to say
That it's the last time you'll look like today”
começo pela música que envias: ripples - um bom exemplo de que, mesmo numa fase mais comercial e já sem o seu grande mentor - peter gabriel -, genesis continuaram, a espaços, a fazer grande música.
Eliminarhavia cinco bandas que faziam as minhas delícias na juventude: marillion (com fish), pink floyd (com waters), the smiths (eterno!), the cure (tantas as horas entregue aos seus acordes!) e genesis. conheci-os, como tu, já na década de 80 (em 1983, mais precisamente, era ainda um menino de 13 anos), quando, em birmingham, com uns amigos ingleses, me foram apresentados (ainda em k7). e logo me apontaram o seu melhor álbum - the lamb lies down on broadway -, ajudando, assim, a fixar o seu território mais genuino: o de gabriel. curiosamente, ainda hoje é dos álbuns que mais escuto, mesmo neste orvalho, quando arrisco umas linhas; tenho-o em vinil, em compact disc e no youtube, em versão remasterizada digitalmente :)
depois deste álbum, três outros que conheço pelo verso e no reverso: trespass, nursery crime e foxtrot, sobretudo este útimo. muito bom! dos demais, conheço apenas faixas esparsas, como riplles, ou assault and battery ou ainda follow you follow me.
para além de the lamia, que postei aqui mesmo, arrepiantes the carpet crawlers e anyway. para acender a candeia das recordações:
1. http://www.youtube.com/watch?v=2yUN6CsuVPw
2. http://www.youtube.com/watch?v=o6PgtGoahcU
beijinho!
p.s. o espelho na imagem de carne e osso e não na refletida: "that is the last time you'll look like today" soberba a passagem.