sábado, 9 de fevereiro de 2013

galeria III - o traço urbano


fotografia de eurico portugal


I. anonimato

recordo-me de tudo
por isso calo-me
por isso digo
quem sabe se à espera do fim do mundo
que leve os beijos
as garrafas entornadas
alguma pontuação
e todas as crepitações antigas
para aqueles lugares que clamam por
combustão
mas que nunca soube deixar arder.

só escrevendo a luz da morte
passo junto da multidão
sem que saibam quem eu sou.



fotografia de eurico portugal


II. [nada

[nada
persegues
[nada
te é devido ou prometido
[nada
nem mesmo
as letras e os sons
que cospem a palavra branca
a escrever todas as mortes:
[nada.

a mão esquerda aberta sobre o peito
os dedos apagados
em necrose
e todas as paisagens do corpo
[nada
apenas a intermitência de um
estremecimento.

o resto é
[nada
o resto é apenas o que existe fora de ti
por julgares ser eterno
o que dentro de ti já não tens.

[nada
e a explosão que não chega!?…



fotografia de eurico portugal


III. a viagem

embarcamos todos no silêncio
dos poetas preferidos
e nas palavras sangradas

a rota é açucena de papel
sem cor ou cheiro
[hipnose de ilusões]
enquanto no convés
apinham-se máscaras e espelhos
num estremecimento que
arrasta no ar
bons-dias!
obscenos, trajando
fraque e sapato de verniz;
boas-tardes!
enroladas no batom
a corrigir o risco do
lábio que não conhecemos

no intervalo dos corpos
e da insuportável cortesia
tudo passa exceto
as cores do que não embarcamos,
imóveis
despidas,
anavalhadas pela poeira
que cobre os objetos
algures entre o tempo e as lembranças
do que do tempo nunca
esquecemos:

às vezes gostava de viver no esquecimento
do que somos.


22 comentários:

  1. esse eurico portugal tá precisando de, primeiro, criar um blog só com os seus cliques.
    é cada fotografia de tirar o fôlego do freguês.
    a propósito: esta estação de são bento, é aquela???
    se for, eu já era fã.

    tô por aqui, de neve até os colhões (perdoe-me a franqueza), tossindo os bofes como um poeta parnasiano que agoniza com a bronquite aguda... o corpo dolorido pela retirada da neve que, se não bateu no dito "sítio", chegou quase aos joelhos.

    na próxima "encadernação" quero vir rico, pra poder pagar para que façam por mim aquilo que o meu corpo cisma em não gostar de fazer :-)

    saudades, euriquíssimo.
    é carnaval no brasil e eu me lembro que carnaval nunca foi muito a minha onda.

    eu gosto mesmo é de ir pro porto beber uns vinhotes com os meus amigos.

    abração,
    r.

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    1. robertílimo,
      esta estação é mesmo a que dizes, embora a de metropolitano, na mesma área da de caminho de ferro mas numa entrada adjacente. já o mendigo que adormece na escadaria está mesmo na estação de caminho de ferro de são bento, a dos azulejos com cenas da história de portugal e da invicta cidade do porto.
      foi esta uma pequena viagem com um amigo e colega que também tem grande paixão pela fotografia e com quem tenho aprendido uns truques. sexta-feira rumámos ao porto, de comboio, onde permanecemos até meio da tarde. o roteiro fotográfico era ambicioso, mas não conseguimos senão passar pela ponte d. luís, descer à ribeira e regressar a são bento. se dúvidas houvesse, aqui está o esclarecimento: o porto é um mundo e todo o tempo que lhe concedemos se faz curto. no meio do roteiro, uma pequena heresia: o tasco visitado não fica na ribeira de gaia, mas na do porto; não se chama taberninha do ti manel, mas o muro e não tem a simpatia da d. helena, mas a do sr. joão e família - todos tripeiros, irra! e não isto é que é seis e meia dúzia? este portuenses sabem mesmo bem receber.

      um abracílimo, desejando que a neve deixe de congelar aquelas partes que doem só mesmo de imaginar. por aqui, frio a granel, mas a precipitação não chega ao estado sólido. lamento o meu, que já tenho saudades do manto branco das brincadeiras das crianças.

      p.s. como a ti, o carnaval passa-me mesmo ao lado; dele, gosto especialmente de saber que há um cozidinho à portuguesa, pela mão da d. fernanda, minha mãe, à espera :)

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  2. querido amigo, que belas fotografias! gostava tanto de aprender esses truques mas talvez não chegasse lá porque só quem tem talento, como tu, consegue alcançar.
    sabes, conheço muito pouco do porto e gosto de te ler sobre essa cidade, um pouco como uma viagem, assim como todos os teus poemas, um levantar de asas...
    quem sabe um dia aprendo a voar, por enquanto o terreno parece mais infinito que o céu, e há muito caminho por desbravar...

    abraço infinito.

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    1. andy, querida amiga de tantos olhares,
      a fotografia começa a ser, em mim, uma paixão mais por intuição e pelo encantamento da descoberta do que propriamente pelos artifícios técnicos, que me são meramente residuais. creio firmemente que o segredo está no olhar e num ou noutro truque que aprendemos a ler aqui e ali ou a fotografar com este ou com aquele. tu sabe-lo, pois tu mesma vens conseguindo alguns efeitos bem interessantes na tua cidade. e por nela falar, digo-te que o porto é um mundo por-fotografar mas mantenho o firme desejo de regressar a lisboa para uns quantos dias com a câmara a tira-colo: começar na baixa, junto ao tejo, subir ao rossio, marquês, bairros alto e alfama, cafés tradicionais, teatros, passar nas pontes vasco da gama e 25 de abril, sem esquecer alcântara, o parque das nações, a luz e uma fugida a sintra. hum... o verdadeiro poema que agarramos pelas retinas.

      beijinho!

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    1. john,
      obrigado pela presença e pelas palavras.

      um abraço!

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  4. Eurico querido,
    Confesso que fiz uma viagem neste post, mas não tem necessariamente a ver com traço urbano, apesar das fotografias; e, sim, com “crimes poéticos e contra a poesia”.

    Recordei-me do ex-professor de italiano que entre tantas coisas que falava sobre viagem, aqui no sentido literal, disse que gostava de ir para lugares em que ninguém o conhecesse, onde ele poderia ser qualquer um. Não, ele não era um foragido, e nem uma celebridade à procura do anonimato, mas alguém que queria permitir-se uma viagem dentro de outra, para além de convenções e títulos.

    Antes de ler o nome do personagem “Dorian Gray” no vídeo, (coincidência ou sinal?:)), pensei no prisioneiro anônimo C33 do cárcere de Reading, celebrizado com o nome de Oscar Wilde, escritor que foi sentenciado pelo “crime” de amar de forma diferente. Consta que além da humilhação que já era sua prisão, em determinado momento, não lhe foi mais fornecida a tinta nanquim para sua pena, e escrever era sua forma de sobrevida no cárcere. Para continuar fazendo sua Poesia, misturou a própria urina ao barro e, desta forma, concluiu um tanto da Epístola in cárcere et vinculis – De profundis; além disso, escreveu a balata/balada – ... da prisão de Reading, que é um relato poético divino sobre a aplicação de pena de morte a um preso acusado de um assassinato passional. Aqui o final:

    “O homem matou quem amava
    E assim teria que morrer.
    Todos homens matam o que amam,
    Seja por todos isto ouvido,
    Alguns o fazem com acerbo olhar,
    Outros com frases de lisonja,
    O covarde assassina com um beijo,
    O bravo mata com um punhal.”

    Existe um tanto a ser desvendado em nosso dia-a-dia (em traços urbanos ou não), e outro tanto de poemas-vida que carecem de explicação.

    Entrelaçando com uma fala do livro - The Pictures of Dorian Gray:
    “"The true mystery of the world is the visible, not the invisible."

    No que concluo que:
    [nada do que é poesia está apenas no que se vê]

    Beijos poéticos!

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    1. aninha,
      inicio, no teu comentário, uma viagem em torno de um triângulo cujos pontos se (con)fundem num só e num único: a poesia, o amor e os efeitos de um no outro - o que equivale a dizer as pequenas ou mesmo grandes mortes que lhes subjazem . e oscar wilde e o seu dorian gray são seguramente paradigmas perfeitos do que somos sem o ser, por numa vida se esconderem tantas vidas e outras tantas mortes: na forma diferente de amar, no desejo de se ser perfeito de se ser eterno, na ambição de tudo ser válido na construção da viagem individual – à revelia do preço a pagar ou não fosse o arbítrio o nosso maior servo e suserano. E, assim, a viagem nunca se faz uma só ou de sentido único, mas todas aquelas que nos permitimos ou nos são permitidas, sabendo que na maior parte delas ninguém nos conhece pela estranheza desta relativamente às dos outros: "passo junto da multidão/ sem que saibam quem eu sou". por isso, algumas viagens interrompem-se, não terminam ou não chegam mesmo a iniciar-se, mas é naquelas em que se vence o medo que as noites cessam de lançar estrelas moribundas sobre o silêncio rejeitando o estertor surdo daqueles que não chegam além das suas próprias fragilidades e inibições: "às vezes gostava de viver no esquecimento/ do que somos". chega-se, assim, à epifania das coisas com sentido e dos sentidos que as revelam: a água volta a correr da montanha para a foz, os gritos das crianças retomam o tamanho das suas brincadeiras, as dunas varridas pelo vento aguardam o abraço dos que amam, enquanto o coração se refaz engrenagem perfeita de todas as sensações – mesmo que toda esta terra prometida seja apenas manto de estranheza para aqueles que lhe são estrangeiros.
      no que concluo: o que de maior está na poesia (como na vida) repousa no que se não vê.

      beijos poéticos e de enorme agradecimento por me teres proporcionado este momento de encontro à reflexão sobre algumas das essências da existência.

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  5. Eurico, senhor fotógrafo!
    Ficaria imensamente feliz se tu fotografasse meus Pampas – aqui do Rio Grande do Sul e do meu Uruguay ...– além de Buenos Aires, essa capital apaixonada e muito doida(!!!), onde tudo acontece e sempre somos protagonistas de algumas dessas loucuras por alguns dias, por sorte no anonimato! (Já ajudei empurrando o carro de uma senhora muito idosa em plena avenida 9 de Julio, a mais larga do mundo, foi verdade, juro! Ganhei um beijo lambuzado de agradecimento e um cafezinho no Tortoni, tradicionalíssimo em Art Noveau frequentando pelos grandes nomes do tango, inclusive “el morocho de Abasto” - Gardel) – saudades de lá... queres vir para la Feria del libro de Buenos – a de número 39, será em maio, aceitas? :)

    Fotografias tuas para se ver e sentir: desvendar o que se vê, e não explicar o que se sente. Dia-a-dia com poesia. Maravilha!

    A propósito de Buenos, será que a crônica que publiquei por lá: Fados, tangos e outros tantos – tem cacife para concorrer a um concurso literário?

    Mais beijos!

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    1. ana cecília,
      de regresso às viagens, estas tocando, para além da geografia dos afetos, a dos lugares. é talvez curioso que sinta uma estranha familiaridade e mesmo invulgar sensação de pertença relativamente a lugares como o uruguay ou buenos aires, na argentina. e tenho a certeza de que tanto disso se deve ao que comigo e com todos aqueles que te leem partilhas, tanto nos posts do teu blogue, como em comentários que vais pousando um pouco pelos nossos. um exemplo perfeito do que agora escrevo, a tua última crónica onde conjugas os lugares com as suas pessoas e as suas artes, deixando-nos o sublinhado perfeito de que cada um deles é tão perfeito como ele só, mas que, na conjugação com os seus semelhantes, acaba por as projetar acima das suas valências individuais, inscrevendo-os na esfera maior do que a todos, independentemente do que nos anuncia singulares, nos define – o sentido humano. perfeita a crónica!
      voltando à reflexão inicial, é por tudo quanto invoquei que escrevi, já, no bloco de notas do que não morrerá antes de mim as coordenadas de uma viagem tendo por roteiro o sonho de saborear o verdadeiro churrasco gaúcho em porto alegre, na companhia de amigos – e tantos eles são! –, com passagem por montevideu e suas milongas, seguindo-se buenos aires, a avenida 9 de julho, o tango, a feira do livro, o bairro da recoleta e tudo mais quanto as retinas o permitam. sempre de câmara em punho, pois claro.

      mais beijos e até breve, que o prometido é devido!

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  6. o segundo poema me paralisou! confesso que esses rostos abandonados tiram-me mais que um longo olhar, eles me abraçam e colam em minha face todo esse absoluto nada, depois é como se os poros dilatassem permitindo que suas mortes se abriguem por todo meu sangue.abrem-se cicatrizes, por dentro, que se misturam as minhas, e logo, já não reconheço quais são as minhas e quais são as minhas, pois toda dor de um é de todos. a fotografia, então, é de navalhar o peito. quanta sensibilidade, meu poeta-fotógrafo!
    deixo-te um beijo com toda admiração

    Roberto está certíssimo, as fotografias estão crescendo absurdamente e merecem um espaço especial



    Confesso que me fixei no segundo poema, com o mesmo longo olhar que abraça essa gente-nada, no rosto abandonado de quem, por uma ínfima sensação ou lembrança, estremece e volta a morrer

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    1. ira, querida amiga,
      porque nós somos, afinal, o que abrigamos e tudo o que nos outros deixa chover... ou não fossem nada e tudo faces de um mesmo advérbio a modalizar o que fazemos, logo o que somos. sempre em conjugação plural, a estremecer vagamente antes de retomar essa raiva que se ergue acima da escrita e de todos os seus incêndios. e como a fotografia pode ser cínica, na crueza do que vê e deixa ver, na frieza do que corta mas, sobretudo, do que imobiliza, deixando ser o que já era, sem remissão. até os dedos sangram, amiga... e amanhã, as escadas de pedra serão inevitavelmente escadas, mas ainda mais de pedra...

      beijinho!

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  7. a explosão do que não chega atormenta todo o por vir,



    abraço

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    1. e como ela [a explosão] precisa de cada um dos nossos abismos para se poder olhar de frente ao espelho...

      abraço!

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  8. [para as fotografias]
    conheço cada um dos locais das tuas fotografias, essas escadas, a pessoa que nelas está assentada
    fazes uma pintura perfeita da minha cidade, tens bons olhos, sabes bem o que ver e o que não ver

    estás a evoluir, bastante

    beijinho

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    1. laura,
      essa cidade que [re]descobrimos pelos nossos olhos e pelos dos outros a cada instante revisitado. pelos teus, também, quando nos serve de palco a reencontros, gargalhadas, franzires de testa, conversas sobre livros, filmes, música, uma fatia de bolo ou poesia... ah, que saudades disso.

      um abraço!

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  9. (para as palavras)

    é-me impossível sair daqui indiferente, alias é sempre impossível não levar as tuas palavras no peito

    ah, quem dera conseguir aprender o engenho do esquecimento, mas os esqueletos ganham vida quando menos se quer´

    beijinho

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    1. talvez o esquecimento só faça verdadeiro sentido quando deixarmos de querer, a todo o custo, esquecer. é assim que se esquece - sem esforço ou autoexigência; apenas com a naturalidade com que se recorda.

      beijo!

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  10. Entre o anonimato e a viagem, carregamos nos ombros o peso de um nada ansiando explodir... Mas há passos que confundem-se rastros e afundam no chão que nunca se põe firme para seguir!

    Tuas fotografias apoiando tua voz: os rumos me parecem tão leves!

    Beijos, meu amigo poeta de olhar luzente!

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    1. esse nada que se faz lastro: tantas vezes obstáculo de viagem, outras tantas máscara a desvelar o anonimato. é o peso da pedra, o peso da pedra no rosto, da pedra na retina, que ora impede de caminhar, ora impele a caminhar. mesmo que em chão movediço.

      beijos, amiga de aquém e d'além-poesia!

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  11. Tua voz é inesquecível, destaca-se entre os demais mortais. Voz que pulsa, que penetra, que perdura na pele. Da-lhe, poeta precioso!

    Beijos cristais.

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    1. voz que sente saudades do reencontro com a tua voz, poeta-amiga-preciosa. saudades dessa escrita vulcânica que erupciona a pele de dentro para fora. saudades dessas escrita a quatro mãos e quantos mais mundos?!...

      beijo de cris-tal!

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