I - Estrabismo
São duas as linhas de olhar nos carris de um único horizonte. Hoje,
obliquam no ângulo morto de um espelho a extinguir imagens como se nada tivesse
acontecido no algoritmo sagrado do tempo.
Um e outro homem diante da mesma história, dos mesmos caminhos do
corpo, do mesmo mapa de pele: sentado, exulta a locomotiva a rugir-lhe a
juventude das mãos; de pé, sonha que as rugas se esqueçam de si.
Cansados das suas mentiras, encostam-se a cada um dos seus silêncios e
aguardam que, linha a linha, as palavras se apaguem de vez no casulo bafiento
da viagem - e a morte tornou-se a mesma coisa embora com outro nome.
fotografia de eurico portugal
II - Polaroid
Levantou-se, já trémula, e
dirigiu-se ao passe-partout na cómoda do quarto. Uma fotografia antiga amaciada
pelo tempo aguarda que a temperatura
dos dedos incendeie a imagem até à carne. Era um rosto limpo, o silêncio de
todas as coisas sem idade, a luz-luz de uma criança parada diante do seu olhar,
enquanto do lado de fora do papel aquele instante era todos os outros que o
consumiram na avidez do que não torna nunca.
Nem uma lágrima, nem um suspiro
ou uma inflexão de voz: é este o castigo das fotografias: saber o que o tempo
nos mostra a seguir.
fotografia de eurico portugal
Eurico querido,
ResponderEliminarinterregno pode ser o outro nome do sopro de morte em dois tempos de mesmo compasso.
Como teorizou o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, aqui de forma sintética: o passado abrindo espaço ao futuro que ainda não foi inventado, - hiato, intermitência, entreato, interstício.
E a vida 'entre reinos' na mesma estação de trem.
Assim penso, para além da leitura existencial, estar meu país nesse momento histórico que estamos vivenciando.
E os polaroides, instantâneos com vida: recordações e para cada uma delas, nova viagem. Lembranças sem estagnação, porque sempre imagens vivas, e há um tanto que nunca se deteriora, apenas modifica.
Abraço gaúcho!
Olhos só enxergam por dentro, por mais que julguemos que olhamos para fora: será? A poesia tem sido lida, nesses dias, nas ruas desse meu país. Mas não resisti em vir, porque aqui é sempre além. E eis que leio Polaroid com um olhar tão pessoal agora. Essa fotografia também me fala de nós, aqui, neste momento. São tantos a buscar incendiar a imagem amarelecida pelo tempo; dar sangue ao grito gangrenado. Mas, sim: aqui me leva sempre além! E a iluminação das fotos: perfeitas!
ResponderEliminarBeijos, poeta!
devíamos, tal qual Dorian Gray, envelhecer do lado de lá e poupar nossas retinas dessa tonta sucessão do tempo,
ResponderEliminarabraço
I- procura-se esquecer o tempo...mas, ele não se esquece de nós e vota-nos ao esquecimento...
ResponderEliminarII- Tempo que nos persegue, sem nos deixar esquecer que urge viver, com a perpétua certeza do que fomos...eterna angustia (in)consciente dum devir , sem retorno, sem clemência...
Beijo atemporal, Eurico!
ResponderEliminarPara ser eterno, é preciso apenas acontecer!
Beijo, poeta amigo!
escrevia com os cabelos da mulher
ResponderEliminarnos longos fios
tramava frases inteiras. ela se levantava e as frases sumiam no vazio do movimento. depois escrevia sobre o amor e um alçapão. a mulher era suas mãos abrindo o alçapão. ele morria todo dia
bj