sexta-feira, 19 de abril de 2013

galeria V


I. a criança em ruínas
[título de livro de J. L. Peixoto]

adormecida a luminosidade do corpo,
há passos a encerrar corolas por dentro
enquanto a flor engilha entorna e cai:

a velhice é a grandeza dos simples
a trepar escadas até às mãos de um deus
tantas vezes sem rosto e quase sempre nu.

fotografia de eurico portugal



II. súplica para linha e seus desvios

o frio raspado a descer devagar
pela voz
enquanto pássaros roucos gritam
versos
a desafiar a loucura.
é assim tempo de saber tudo:
adivinhar as coordenadas do céu
desejar motores nas asas
suplicar por poetas esquecidos
para que a mão segure a inércia
do poema:

não adormeças, homem.

fotografia de eurico portugal



III. errância

há mortes que passam de boca em boca
como os beijos.

fotografia de eurico portugal

12 comentários:

  1. É tão bonito ver o tempo escorrendo pela voz! É um jeito de impedi-lo de enrugar o ânimo!

    Beijo, meu amigo de lindas perspectivas!

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    1. cantando se exorcizam fantasmas: eis o tempo e o seu (des)alento para o espírito da voz... desatento.

      beijos, jô!

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  2. há o que nos mata veloz, como um beijo
    há o que nos atormenta atroz, como uma palavra
    e há que o que nos consome: o bafejo de Chronos




    abração

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    1. antes a morte rápida na cicuta do beijo do que todas as outras que habitam a morada de chronos.

      abraço, meu amigo poeta!

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  3. Saudações, querido moço,
    saudades!
    eu aqui desde sempre através dos olhos deixando que as imagens-palavras tomem os sentidos e absorvendo as galerias de tantas passagens corredores vielas trilhos e você tão cheio e rico dos pequenos detalhes tão desapercebidos na profusão de um tudo, e vem à lembrança o poeta das etiquetas, os fragmentos que vão sendo tatuados noutro tecido, na epiderme
    é um prazer ter contigo

    a velhice é a grandeza dos simples
    pássaros roucos gritam
    versos
    a desafiar a loucura

    e belo apanhador-guardador dos instantes você se faz

    beijo e grande abraço braço braços

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    1. vais, amiga de tantas palavras e encontros de voz,
      saudades de ti, saudades da tua escrita e da tua forma tão especial de dizer-ser. porque estes instantes, cada uma das etiquetas, todas as galerias fazem sentido quando se completam na inteireza daqueles que são maiores do que o meramente mensurável.

      abraço braço braços. e um beijo meu!

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  4. Essa errância me pegou profundamente. Das mortes eu sempre quero saber. Isso foi grande,

    Beijos, poeta amado.

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    1. taninha,
      das mortes que sabemos, das mortes que nos sabem. e a escrita na errância do (não) ser.

      um abraço com vida, toda a vida!

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  5. Eurico querido,
    o tempo, esse Senhor Relativo que nos deixa ganhar horas, ou seria, perder horas? Pois bem, de qualquer forma sou uma senhora! :)

    Lembrei-me de uma frase da música do compositor e cantor, Renato Russo, já falecido: "nada é para sempre, até o 'para sempre' sempre acaba".
    É de se pensar..., no entanto ainda acredito, talvez numa visão romântica, que existam envelhecimentos precoces e fim de coisas que nem tenham nascido plenas em nós, brotam já maduras, caem do pé em escombros e se misturam à terra; ou se revelam natimortas, após percebermos que não choram, nem sorriem.

    Por outro lado há vida e há a morte, pois houve vida; e nova vida pois houve a morte. Energias em ciclo, plena renovação do que nos faz essência; e sendo um ciclo, porque se faz essência é que estão em plena renovação.

    O que nos constitui plenos: pessoas, sentimentos, cenários, músicas, escritos..., enfim, eu os chamo de Poesia. E se há um momento que nos transforma em crianças novamente, é quando agarramos essa Poesia e as palavras nos saem como feitas de papel resistente, prontas a serem dobradas e virarem barquinhos ou aviões, seguindo em curso nossa viagem inteira.

    A última foto é muito inspiradora!

    Beijão!

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    1. e nesse ciclo, aninha, nesse circuito febril, há a mão que toca o tempo e que com ele consegue ser o que nenhuma outra é. borges bem o dizia (já não me recordo exatamente das palavras, senão da ideia geral): o tempo é o que fazemos com ele. por isso, a velhice é a grandeza dos simples, lá onde não podemos deixar que nenhum adormecimento ou entorpecimento nos sejam permitidos.

      um beijo em lábios de papel "seguindo em curso nossa viagem inteira"!

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  6. ainda sou uma criança inteiriça! quero crer e assim é, mas fujo, algumas vezes, a perscrutar o caminho da anedota, onde há um deus barrigudo que, divertindo-se a valer, come crianças em ruínas. eu não adormeço mais!

    bj, meu amado poeta-fotografo genial

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    1. soubéssemos nós como erguer-nos acima das paisagens com chuva que esse deus barrigudo nos impõe; alguma vez saberemos esperar, como quem combate e vence, enquanto morre?

      beijo, amiga poeta maior!

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