I. Palavras e assim
Há palavras assim, a beijar-se
na boca apagando os precipícios agarrados ao corpo.
fotografia de jorge pimenta
II. Um tampo de primavera na mesa
Um jato de tinta a afiar a folha de papel, o aroma a primavera, amoras e palavras silvestres em sedução mútua, um
café escuro e alguns gomos de espantos a escorrer sumo pelos
dedos. Tudo de ti aqui, em cima da mesa, ao lado de uma aragem simples, sem
nome, empurrada pela lua com as mãos à espera de um gesto simples, talvez um verso,
uma rima, ou quem sabe se aquela blusa vermelha com que escondias vertigens. Tudo
isto aqui, em cima da mesa, num gesto sem aviso a iluminar o sol. Tudo isto aqui,
o medo a ciciar aquilo que morreu.
fotografia de jorge pimenta
III. O que resta além da água?
Foi ontem, o dia em que afastaste
os lábios em direção ao mar e toda tu foste lição de água a alagar a matéria
envenenada dos corpos. Hoje ainda é inverno e na caligrafia do tempo
evaporam-se recordações em braçadas de luz e instinto; mas, algum de nós o
sente, ainda?
fotografia de jorge pimenta