sexta-feira, 29 de novembro de 2013

pedras da calçada da vida adentro [VI]


dedicado a um amigo que, cansado dos homens, engoliu o tempo e todos os seus silêncios.


fotografia de jorge pimenta

I. cicio de pedra e um tanto de silêncio

o olhar dentro dos lugares
como pássaro preso ao céu da boca:
o passado é apenas
monólogo
com que despediu a voz.


fotografia de jorge pimenta


II. calendário dos homens

um dia de pedra, o corpo a desprender ramagens num desses outonos que farejam os frutos da brevidade no calendário dos homens.


fotografia de jorge pimenta


III. clepsidra lascada

são nomes guardados na transpiração
nomes com que aproximas
o fim do mundo e as extremidades
dos dedos
tantos nomes sem mapa
apenas loucura a sangrar fígado
sobre os corpos tombados
lado a lado
cansados de ser
num derradeiro silêncio sem espera.


sexta-feira, 22 de novembro de 2013

semicertezas de uma noite de anseios e distâncias


metade de nós o que não sabemos; a outra metade... o que não recordamos.

jorge pimenta


fotografia de jorge pimenta - museo reina sofia, madrid


imagino um céu sobre nós
cavalgando a noite
velozmente
como o corpo escala
ruelas femininas

imagino lugares limpos
baladas
véus descalços de meses
e calendários transparentes

imagino-te nua,
adivinho-me a arder
tu e eu,
escadaria invisível
de boca em boca
de ilusão em ilusão
algures
na derradeira certeza
das mãos frias.


sexta-feira, 15 de novembro de 2013

galeria: a asfixia da voz de vez


entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

Mário Cesariny, You are welcome to Elsinore


fotografia de jorge pimenta


há palavras que não chegam para
te dizer,
estáticas mínimas
contaminadas de sílabas
e outras teias de mar
com que desprendes porto e pouso.

por isso passas
segues à velocidade
da luz
deixando,
entre as mãos e a obra,
umbigos de
tinta rasura e folhas rasgadas
a rugir imagens
e espantos:

é preciso ver
é necessário tocar
é urgente desintegrar as palavras
e todas as suas mentiras

de vez.


 

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

oração


Pesou-me na carne sua coroa de espinhos
E eu nada quis ser para não fazer barulho

Ira Buscacio, Um estranho quase íntimo


fotografia de jorge pimenta


mãos a prumo em novelo
de lã,
pulsação do sangue
estação quente e
cio,
toda a seiva masculina
a escavar o ventre
na incandescência
do fogo

aqui
o corpo a cerzir
cansaços,
ali
artérias a rugir
embaraços

enquanto das gengivas
escorrem
migalhas de pão
e mesa vazia
porque lá fora és somente
chuva frio e tantos vestígios
de setembros e
desfolhadas
naufragados no calendário
de frutas macias e outras tantas
fulgurações

é esta a canção do homem
em que fundes o corpo e cada uma das
recordações:

a memória é dardo e mãos
a farejar o ouro que
não é.