fotografia de jorge pimenta
é lenta a revoada de páginas,
dois gomos de tangerina
e um leve fio a escorrer
pelos dedos,
aço, dizes tu;
nuvens, sei-o eu;
mas entre um e outro
toda a espessura das coisas
já gasta em saliva
com que percorres mundos de papel
que nos cabem,
sem míngua ou excesso,
em cada milímetro do corpo
são páginas
na gravidez do sal,
são palavras e espantos
de frio,
manhãs cor de anis,
numa desordem que toca
todas as coisas
por cima do tempo
por debaixo do vento,
nesse lugar secreto onde
tudo se ganha
a pouco e pouco,
chegado o derradeiro capítulo da viagem,
boca desatada sobre a exclamação máxima
do mundo:
são deuses de corpo nu
entoando a marcha interminável dos corpos
nessa felicidade de tinta
com que escrevemos os dias lentos
que julgávamos presos à engrenagem secreta
do fim da morte
mas agora é o instante,
a derradeira frase, e
já de olhos abertos e mãos sobre a paisagem,
o manto branco é tudo o que dissipas
e nada mais alcanças
senão a chuva frenética das sombras
aninhada sobre espelhos
num ocaso de flores vazias
infinitamente encharcadas,
sarcasticamente queimadas
e a história repete-se...