domingo, 22 de setembro de 2013

o alfabeto da melancolia: até ao fim do tempo


Quando a minha mão
ia colher um fruto
o gume da folha feriu-me os dedos.

Yao Jingming, A noite deita-se comigo


fotografia de jorge pimenta


não sei já a cor das açucenas
e o arco da noite há muito atira
trémulas paixões à rua
onde um gato vadio
ensina versos sem rima à luz
do candeeiro.
a pouco e pouco o gás acende
presenças
enquanto lá em baixo,
junto ao rio do nome,
os navios dos ossos adormecem
insónias na tua voz.

és tu a noite,
a chama fria a atiçar roseiras
com palavras abandonadas:

sei que um dia desejaste a mudez
dos espinhos
que não podes dizer
mas hás de repetir "amo-te"
antes que o mundo desabe
e os corpos se despenhem na melancolia
do fim do tempo.


22 comentários:

  1. a mudez dos espinhos
    bela sintaxe para o fim dos tempos


    abração

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  2. Jorge,
    uma melancolia sem tempo..
    palavras cravadas nos espinhos da pele..
    e a música..
    beijos.

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    1. são assim os frutos que, mais que colhidos, nos colhem a cada estação...

      beijinho, ingrid!

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  3. Alimentamos desejos e esperanças, mesmo quando tudo caminha para o fim. Bjs.

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    1. há sempre uma luz que nos persegue, opaca, por entre os dedos, ora agitando navios naufragados, ora reacendendo horizontes, marilene.

      beijo meu!

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  4. se pudesse me ligar eterno
    ao poema

    ligaria-me ao vento

    obrigada.

    p.s 1: quando gêmeos ocorre de alguns desembarcarem antes. e o corpo experimenta vida-e-morte. :)

    p.s 2: tive ano passado um livro de poemas do Yao Jingming em mãos na língua original. amei as ilustrações. li como uma criança. li o desenho das palavras ...

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    1. desprendimentos no corpo para vida-e-morte em cada pedaço dessa pequena eternidade.

      p.s. é assim a grande escrita, dani: lê-se e vê-se antes e depois do que se sente. yao é assim mesmo.

      abraço!

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  5. "Quando a minha mão ia colher um fruto o gume da folha feriu-me os dedos."
    Fico com este verso a iluminar a noite que se avizinha insónia pura...
    As tuas palavras, sempre catarse ler-te.
    Despir a pele que me dói a cada silencio que passa...
    Beijinho, querido amigo!
    p.s. Gostei muito da musica e vídeo

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    1. a pele que se desprende, a essência subcutânea que permanece: carne e espinho em cada silêncio insone - são assim os frutos que ousamos colher.

      beijinho, querida andy!

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  6. E yao jingming, fiquei curiosa por ler...
    Beijinho

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    1. a filosofia das coisas simples, andy. e como isso se faz tantas vezes primordial.

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  7. Nunca busquei viver a minha vida
    A minha vida viveu-se sem que eu quisesse ou não quisesse.
    Só quis ver como se não tivesse alma
    Só quis ver como se fosse eterno.

    Jorgito querido, Caeiro, sempre, e sempre,foi o meu preferido. Obrigada, meu amigo! Devolvo-te o carinho com as mesmas cores do poeta

    vivemos pq, antes e depois do sono, há sonhos e eu, particularmente, quero crer na mudez dos espinhos, ainda que o sangue nunca estanque

    um grande beijo, meu poeta formidável

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    1. enquanto sangra, vive. tudo o mais é sono, sonho e espinho em mudez anunciada.

      beijinho, poeta da voz-verdade!

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  8. Meu querido Poeta

    Como sempre ler-te é uma viagem entre o tempo e o espaço...entre o espinho e a rosa...entre o querer e o poder.

    Tinha saudades de não ter palavras para te comentar, mas sentir cada palavra tua como um eco de melancolia.

    Deixo o meu beijinho e a minha admiração
    Sonhadora

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    1. amiga do sonho,
      algures entre o espinho e a rosa, o tempo e o quase-tempo, espreitam os reencontros: como regozijo com este nosso.

      um beijo!

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  9. "onde um gato vadio
    ensina versos sem rima à luz
    do candeeiro".

    São muitas as imagens belas e raras aqui; é como dobrar esquinas e encontrar, a cada uma, pepitas de ouro, e não saber como recolhê-las apenas com duas mãos. Mas me encantou, sobremaneira, o gato a ensinar versos à luz do candeeiro. Uma coisa estonteante ver o quanto de novo, de original, brota nesse teu chão. Admiração profunda. E embriaguez dos sentidos. Rodopios na Alma. Beijos, poeta instigante!

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    1. povoa o meu imaginário, desde miúdo, a imagem do gato que, de miado em miado, percorre ruas e vielas de pedra embalado pela melodia da noite. e quanto de(sse) gato não temos nós, taninha?

      um beijo grande agradecendo a tua amizade de além-versos!

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  10. Melancolicamente belo.

    Obrigada Jorge, por me trazeres aqui, a este teu novo recanto de emoções.

    beijinho
    cecilia

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    1. um reencontro que saúdo, cecília. desde os tempos de viagens com luz, com sombra, sobretudo com o desejo indómito de viajar...

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  11. Jorge,

    Comentário bobo o meu, mas é o que sinto: o que fica é o que sobra:)

    Entre idas e vindas e vidas (sete ou mais?), existem as pequenas eternidades, e o que é de fato (e)terno.
    Exemplo? Nossa amizade!
    Sinto te dizer, meu caro amigo, mas ainda vais ter que me aguentar por muitos anos...
    Haja paciência!
    Aconselho que tomes fôlego :)

    Grande beijo (e)terno!

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  12. e por amor à palavra ,
    por palavras com Amor,
    o tempo já não existe,
    tudo é atemporal...

    Beijinho, querido amigo fotógrafo-poeta!

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