sexta-feira, 20 de setembro de 2013

murmúrio para cordas, velas e um tanto de mar


Há um tempo para construir e um tempo para destruir, umas mãos assentaram as telhas deste telhado, outras o deitarão abaixo e todas as paredes, se for preciso.

José Saramago, Memorial do Convento


fotografia de jorge pimenta


depois
o gás o adormecimento o tédio
a oxidar estradas no corpo
sem traço linha ou papel

depois
o olhar esbagaçando pretéritos
até à asfixia
porque há um ventre a atiçar desejos e
um sempre a arranhar solfejos

depois
a brevidade dos pulsos
atirados à corrida do sangue
dos astros dos lábios;
espera o estremecimento de cordas:
ganhou insónias e ninhos no ar
onde já nem aves migratórias ousam
amar

por fim
fez-se nómada
a clamar por linhas de pele e infinitos
horizontes,

hoje não sabe
medir o tempo
e esconde-se na retórica dos deuses:

nenhuma urgência será mais do que
sílaba esquecida no clarão
incerto de todos os
quases.


23 comentários:

  1. Olá amigo Jorginho!
    Mestre das letras e dos poemas pensantes.
    Belo texto. Mais um daqueles de multiplos significados e catalizador de idéias.
    Você tem mesmo o dom das letras e sabe agrupá-las de forma inteligente.

    Um abraço!

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    1. andré, querido amigo,
      pensamos os textos quando a vida nos pensa - ou quase nada tocamos e quase nada nos toca.

      um abraço!

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  2. este ponto/porto/pausa
    o quase/quasar



    abraço

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    1. este perto/certo/aperto/acerto.
      o tudo/nada em cada nó do corpo.

      abraço!

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  3. murmúrios que ganham voz neste secreto mar que desagua no peito...

    beijinho, querido amigo!

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    1. murmúrios de voz ou as pequenas mortes em perífrase.

      beijinho, querida amiga!

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  4. Passou-me a idéia de constantes destruições, de pedaços arrancados, de fins para os quais não se encontra respostas. Quando leio seus versos, divago e fico a refletir. Bjs.

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    1. são essas sempre as primeiras viagens: as que fazemos bem lá dentro de nós, marilene.

      beijinho!

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  5. quase pele,quase infinito..
    quase morrer..
    beijos meu poeta querido..
    saudades..
    saudades..

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    1. quase, ingrid... quase. e a completude a guiar-nos para (quase) todo o sempre.

      um beijo na fórmula infinita das saudades!

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  6. Por favor, publique este comentário, Jorge, pois houve, certamente, um problema técnico nas tentativas anteriores:

    Jorge, meu caro amigo, parceiro literário e de café forte:)

    Sintetizando e me detendo a partir do incipt: uma das lições que meu pai deixou, seu Oscar Rodriguez, apesar de que era arquiteto, é que devíamos valorizar o lar em detrimento a casa. No lar não há o 'depois' e o 'quase', o lar é inteiro e perene. Toda ou qualquer (des)construção é apenas indício de nova reforma, nunca de construção feita com material medíocre ou erro de cálculo estrutural.

    Beijos!

    PS.: Como amiga da Maggie, inquietou-me vê-la sentada num chão supostamente frio :)

    PS2.: Espero que seja publicado.

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    1. aninha de tantas parcerias,
      é esse o propósito que nos move: sermos plenos, sermos inteiros no grande lar do que nos define homem/mulher. mesmo que erguendo e derrubando, cimentando e descolando, ajeitando e desalinhando: as tais pequenas mortes que antecedem as grandes vidas.

      beijos!

      p.s. a maggie posou um tanto a contragosto, tenho de o admitir, mas se ela é teimosinha, eu não o sou menos :)

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  7. Ah que encanto, Jorginho!
    Esse ventre a atiçar desejos ficou demais!!!

    A propósito, visitei o site com suas fotografias: belíssimas!

    Beijo.

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    1. adriana,
      esse ventre com a transparência da terra e da dor...

      beijo!

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  8. Esses últimos versos, heim? Nossa, isso aqui é a minha fonte de águas delirantes que não posso ficar sem beber.

    Beijos, poetamigo!

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    1. os quases em leque de brisa baloiçando um tanto de tudo.

      beijo, taninha!

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  9. há quem consiga medir
    o espaço entre as palavras?

    há quem quase tente!


    beijo, meu amigo das imagens pulsantes!!



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    1. o espaço entre as palavras: a memória dessa luz atrasada...

      beijinho, jô!

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  10. depois, jorgíssimo,
    o olhar "esbragaçado", bracarense e nada (nunca mais) sera o mesmo.

    impossível tirar o cheiro da bracara augusta que veio em minhas retinas, minhas pupilas, minhas roupas...

    a memória desta luz perene.

    às vezes, tudo é para sempre, poeta de mire de tibães.

    abração do

    r.


    ps: e minha/nossa Maggie finge - apenas finge - que não gosta de posar pro olhar do pai.

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    1. robertílimo,
      imagino-te já de regresso aos states e a tanto de ti que tem a forma dessa terra sagrada.
      o cheiro de cá, esse, não é mais o mesmo, porque nada permanece igual depois de mexido. as saudades reafirmam o tempo, não o que nos escapa, mas o nosso, o tempo-homem com o qual nos tornamos inteiros e maiores.

      definitivamente há tanto para sempre...

      abraço vivo neste dia em que um dos maiores desafia o grande verso - a eternidade: antónio ramos rosa.

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  11. e eu falava ao saber da morte, anteontem, que falávamos dele, jorgíssimo, aí nessa bracara augusta em que respiras.

    que a terra lhe seja leve, cismo em rogar.

    abraço ainda fura de fuso.

    r.

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    1. falávamos dele que é outra forma de manter vivo, querido amigo desta braga que é nossa.
      saudades desse arroz que leva o nome da minha cidade e o aroma da nossa amizade - por mais dias que passem...

      abraço!

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  12. Depois
    a infinita (im)possibilidade do desaguar inquieto de todos os QUASES,
    Agora
    no silêncio a palavra indómita que vence o tempo e faz-se DEUSA...


    Beijinho, querido amigo poeta!

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