segunda-feira, 12 de agosto de 2013

um trago de whisky e duas gotas de silêncio sobre a verdade do homem que tarda


Não, a pintura não está feita para decorar apartamentos. Ela é uma arma de ataque e defesa contra o inimigo.

Pablo Picasso sobre Guernica


fotografia de jorge pimenta
Museo Reina Sofia, Madrid


são elas,
as lâminas descaídas
superlativas
sobre cabeças em lava humana:

logo
a poeira do corpo
se desprende em agitação
sem conhecer vogais ou consoantes,
apenas gritos
e toda a significação
sobre os sorrisos em desintegração
urgente:

a carne desfeita em soluços
e nós
vazios dentro dela
enquanto o silêncio mascara
cada lasca do rosto
e outras tantas confissões
adormecidas:

até quando nos
lembraremos?


15 comentários:

  1. este quadro é "o quadro", jorgíssimo.
    repito: O QUADRO.
    e todo o sangue em preto e branco.
    cada lasca do rosto, cada golpe na carne.
    sim, cada letra do poema.

    é assim.
    em preto e branco.

    abração,

    r.

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    1. e o silêncio a percorrer todos aqueles olhares de respiração acelerada... a sala é enorme; o peso da tela faz ranger paredes que suam arquejando as dobradiças. só lá, meu querido amigo, se percebe como todas as palavras são vãs diante daquele sangue a preto e branco como tão bem fazes notar.

      abracílimo!

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  2. Existem momentos eternos que tombam num silêncio esquecido...existem momentos fugazes que no silêncio se perpetuam, em nossos olhares...
    Esquecer a desintegração, o desespero, a angústia, a busca vã da luz, numa penumbra com estrelas de bréu, é esquecer a Humanidade, é a indiferença perante o que fomos, o que somos , o que podemos ser.
    Um poema que inquieta, com uma ilustração que Perpétua o Homem ...para o bem e para o mal...

    Beijinho meu,querido amigo!

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    1. esquecer hoje para todos os dias poder recordar - são assim os momentos que imortalizam, alcina.

      beijinho, querida amiga!

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  3. uau!! que título!!

    há tantas guerras feitas em silêncio... e o esquecimento, talvez um armistício!

    no Guernica... há tanto grito!!

    beijos, poeta amigo das imagens pulsantes!



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    1. e depois há aquelas guerras sem tréguas e armistício, aquelas que nos adiam ao longo dos corredores da existência, em perenidade falsa; guernica sabe-o e di-lo melhor que qualquer um de nós.

      beijinho, querida amiga-poeta com alegorias nas pontas dos dedos!

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  4. Tô pra ver uma língua tão afiada....

    Beijo, poeta precioso!

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  5. Silêncio! Eu estou te escutando nas linhas e entrelinhas, que não se esmagam nunca.

    Beijos,

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    1. os verdadeiros diálogos, esses, taninha - os que nascem aquém língua e perduram para além da própria boca.

      beijos!

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  6. quem é o inimigo? o maior ou "imbatível"? o silêncio é, ainda, o sangue mais vivo do corte inesquecível

    que alma, a sua, meu poetíssimo!
    sigo tentando ser aprendiz

    Bj, Jorgito, amigo queridaço

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    1. e assim permanecemos: exangues, nesse festim de licor vermelho-vivo borbulhante, em efervescência humana. brindemos com silêncio, pois.

      beijos, iríssima dos versos com a espessura do corpo-vida!

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  7. Querido Jorge,
    quando o significante consegue praticamente superar o significado. Eis o signo pleno, o qual nem Lacan previu :)

    Meu contato com a Guernica foi em 2002, num Reina Sofia milagrosamente pouco frequentado, fiquei eu e mais algumas pessoas ali, sem palavras, pois cem palavras... O tanto que lia e sonhava em ver essa tela... Na época, permitiam fotografias (sem flashs), tenho um para delas, terríveis, mas sinceras :)
    Mas a obra que levou-me aos prantos, literalmente, foi a "El 3 de mayo de 1808", de Goya, na época, no Museo del Prado, creio que ainda por lá está. Hipnose em lágrimas...

    Na arte brasileira também temos nossas ‘Guernicas’, talvez a mais expressiva seja o quadro “Criança morta” do genial pintor Cândido Portinari, tela essa de estilo expressionista e que faz parte da sua série “retirantes”. E dói no coração... Uma questão social de todo o sempre que é imposta a população do nordeste brasileiro, que, devido à seca, emigra do sertão, região mais seca, para outras em busca de sobrevivência. E eis o descaso dos governantes, entre outras mazelas. Uma entre tantas Guernicas do Brasil.

    Quando o sentir tem voz e dispensa as palavras, eis a pintura como arte e toda sua transgressão. Podem jogar spray, danificar, roubar, violar... a obra já se fez obra. A obra não está, ela é! Mais do que ‘arma’, eu diria, é a própria vida em tessitura plena.

    Beijos!

    Fiquei emocionada...

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    1. aninha,
      como as coisas mudaram depois de 2002: guernica tem o rosto de uma criança cansada, assustada até, mas tudo quanto a envolve é o aparato de uma super-estrela que em nada condiz com a sua essência mais íntima. em 2007, quando lhe apertei as mãos, um ror de gente agitava-se diante de si, mas a sensação de estar num pentágono de máxima segurança estava ainda longe de acontecer.
      no prado, goya e o seu 3 de maio, mas inesquecíveis, também, patinir, den bosch, el greco, angelico e tantos outros.
      uma tela que conserva o poder do humanismo e a história tantas vezes trágica da humanidade: antonio gisbert e fuzilamento de torrijos e seus companheiros nas praias de málaga - aqueles olhares serenos diante do pelotão da morte perseguem-nos para lá da galeria...

      beijos!

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