segunda-feira, 19 de agosto de 2013

três poemas e algumas fulgurações


Tenho as mãos vazias de ti
neste hálito que ainda te respira

Ademar Ferreira dos Santos, in Descansando do Futuro


fotografia de jorge pimenta


I. caderno de viagem

capa escura
algumas folhas arrancadas e
umas tantas rasuras
dentes brancos pousados na
idade
duas glicínias
e a apoplexia da voz,
um gato,
sobretudo um gato, pardo e sonolento:

onde fica esse lugar a que apenas chegamos
quando se faz demasiado tarde?



II. um passo a menos

poema:
mão trémula
taquicardia
suores frios
e refulgência ocular

[esquecemo-nos tantas vezes
da vida]


III. variações em torno do amor de um poeta

submeteu-se a algo
insidiosamente
maior do que a chuva e o frio
em dislexia sobre a voz:
céu do peito atado à carne e ao dizer
língua entaramelada
e tantos outros coágulos de sombra...

alguma vez terá ele estado
tão só?

[e a saliva a escorrer vagarosamente
pelas frestas do passeio
ali
bem dentro do teu nome].


fotografia de jorge pimenta


14 comentários:

  1. como diria adriana calcanhoto, naquela canção brasileira, "eu vejo tudo em quatrados".
    eu e a sua câmera.

    a propósito do poema, lembra-se daquele gato daquela viela do porto, quando descíamos em direção ao d'ouro?

    no outro dia, tive pesadelos e ele mordeu-me o pé.

    deve ser a proximidade da viagem.

    está pertinho, jorgíssimo.

    abraço grande do

    r.

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  2. gato, viela, noite e saudade combinam com o porto dos nossos setembros (e novembros), robertílimo.

    está pertinho, pertinho; alvoroço-me a cada instante.

    abracílimo!

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  3. combinação mais que explosiva esta tua trinca de lira!!
    e Morrissey!!!

    beijo cheio de encantamento, meu amigo poeta das imagens pulsantes!


    p.s:

    I
    que tarde se faça
    a chegada, desde
    que não me faltes!

    II
    poema: vida
    súbita depois
    do engasgo.

    III
    soprei na
    venta da
    letra muda:
    habitei-me.

    (Joelma B.)

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    1. que chegues
      no engasgo
      com que a letra nos habita.

      beijos, jô querida!

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  4. Jorginho, onde fica esse lugar, menino? Onde fica ele, que alcançamos sempre depois, sempre após, sempre tarde!!!? Seus delírios poéticos são ardentes. Queimam. Às vezes são aquosos. Molham. Mas nunca saio daqui impune! :-)

    Sempre essa doce e louca embriaguez quando te leio...

    Beijos,

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    1. como diria o assis, taninha: nenhuma escrita nos deixa impunes; acrescentaria eu que tudo nela dispersa e redime.

      beijinho!

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  5. não se escreve impunemente: eis a cota: o quinhão



    abraço

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    1. se a escrita fora inócua, para que serviria, pois, esse vinho licoroso?

      abraço!

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  6. Numa viagem sem regresso, passo lento e/ou apressado,o poema esboça-se , traça-se, desenha-se , ganha forma ... As palavras ficam nos meandros da memória... a nossa essência ali fica plasmada e ninguém ouse "roubá-la"

    Beijinho,jorge, querido amigo!

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    1. as palavras e os seus/nossos arroubos, querida alcina.

      beijos!

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  7. Pois, sim, Jorge,
    belos poemas teus ao som de (amor)rissey!
    Vim comentar minhas impressões e chegaram na forma inusitada de poema que fiz agorinha (sem revisão).
    Em agradecimento pela tua Poesia de anos.

    Tri-beijos dos Pampas!


    - Sem as mãos tuas -

    Sem as mãos tuas
    no coração de vento
    a dedilhar sopros de nada
    (silêncio casual em noite de outono)

    saliva, suada, sensível, sensata,

    a saltitar de língua em boca
    e dentes ferozes

    fugazes, fogosos, fáceis,

    palavras inertes e
    certeza, a única,
    contigo tudo eu posso sozinha.

    - Ana Cecília Romeu -

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    1. aninha,
      há versos que resumem toda a poesia da vida como este teu "a saltitar de língua em boca/ e dentes ferozes"; versos que podem até florescer algumas vezes mas apenas uma vez plantam sementes e raízes dentro da gente. e como tanto recresce em incandescências e luminosidades.

      belíssimos estes versos em oração maior!

      beijos meus!

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