sexta-feira, 17 de maio de 2013

poema para depois de amanhã


... a sua sombra chegava sempre primeiro do que a minha aos desígnios da terra...

Não é meia noite quem quer, António Lobo Antunes


fotografia de eurico portugal



larguemos os braços e as significações
para que a noite não volte
a doer.
não somos os únicos a morrer,
o mundo morreu-nos
e com ele tantos amaciaram pulsos e carótida
no vidro,
por delicadeza.

nada temos a negar quando
até as mãos e a tinta adoecem
na trajetória descendente
das nuvens.
somos jovens
e ambos sabemos que o sangue ainda morde
nas autoestradas do corpo
num voo a alta velocidade
desenhado
degrau a degrau
pelo amor, as coisas e o corpo.

e agora
que do desastre temos largo
e inútil conhecimento?
e agora
que as imagens arrefecem
na guilhotina das páginas?
e agora,
que o rosto se estatela
na espiga do sexo
por a não saber morder?
e agora?...

do tempo pouco se sabe,
mas sempre que a voz reescreve
o silêncio das árvores
há um verso a fecundar
as cores vivas dos frutos:

ventres, correntes de areia e suave loucura
de tantos mundos ainda por dizer.

fotografia de eurico portugal

14 comentários:

  1. que depois de amanhã seja sempre um poema.
    tão bonito!
    as autoestradas do corpo o verso a fecundar a suave loucura e tanto ainda por dizer
    guardo o vento em silêncio no tempo das árvores e a luz que atravessa o vidro das janelas quase sem respirar

    beijo grande querido moço

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    1. vais, depois de amanhã começou já hoje, com a tua sempre especial presença em redor deste orvalho.

      beijo meu!

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  2. o tempo nos bafeja o seu enigma, enquanto nos devoramos nas palavras e elas nos soletram


    abraço

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    1. palavras a devorar-nos sobre toda a gaguez do corpo. há, afinal, tantos mundos por dizer...

      abraço, assis!

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  3. tanto a dizer... tanto a sentir!
    às vezes basta apenas se deixar ouvir o TUM TUM do peito!

    beijo, poeta amigo!


    p.s: tem texto que escrevo e só bem depois percebo o quanto ele cabe a mim! escrevi um indagora... parece que me cabe mais ainda depois de te ler:

    TINTO

    da tez
    do verbo
    do passo

    cabe
    ao sangue
    ser essência
    e cor


    ;)



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    1. é assim mesmo a poesia, jô, fios a entrelaçar vozes como esse sangue-essência a fixar o rasto da cor: e o peito rufando sentidos e direções.

      beijinho!

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  4. Infinitos mundos a serem ditos. O poeta o dirá, um a um. Isso é demais:

    do tempo pouco se sabe,
    mas sempre que a voz reescreve
    o silêncio das árvores
    há um verso a fecundar
    as cores vivas dos frutos:

    ventres, correntes de areia e suave loucura
    de tantos mundos ainda por dizer.


    Beijos, poeta grande!

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    1. infinitos mundos a serem ditos, mundos infinitos que nos dizem: e somos, afinal, linha de tinta em efervescência humana.

      beijo, taninha, amiga muito muito especial!

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  5. Eurico querido,
    um fragmento de "Memórias Póstumas de Brás Cubas" - de Machado de Assis:

    “No primeiro dia pensei em me matar. No segundo, em virar padre. No terceiro, em beber até cair. No quarto, pensei em escrever uma carta para Marcela. No quinto, comecei a pensar na Europa e no sexto comecei a sonhar com as noites em Lisboa. Em seis dias Deus fez o mundo e eu refiz o meu.”

    Penso que o "depois de amanhã", é o sétimo dia.

    Abraço

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    1. o sétimo dia... o dia em que tudo se faz possível!

      beijos, aninha!

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  6. volto aqui e queria tanto dizer o quanto me tocou em especial este poema, mas não consigo...há palavras que não cabem nas emoções.

    "ventres, correntes de areia e suave loucura
    de tantos mundos ainda por dizer."

    beijo, meu tão querido amigo!

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    1. andy, querida amiga,
      quantas vezes as palavras se escondem nos cristais do dizer procurando enfeitiçar as emoções; e tudo por nascerem em coágulos de sangue, lábios de ferida em tons de carne viva.

      beijinho!

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  7. E, num silêncio ensurdecedor, escuto o eco de tuas palavras...
    Não, não escuto, sinto...e viajo para o mundo do esquecimento,
    Onde tudo e nada são unos...e razão é sentimento...

    Parabéns. Beijos

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    1. que melhor incubadora para as palavras do que... o silêncio, alcina? talvez ele, o silêncio, seja mesmo o grande escultor da poesia.

      beijinho e um agradecimento muito especial pela viagem até este orvalho!

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