sexta-feira, 5 de abril de 2013

galeria IV


I. notas breves para mãos magras

encho a mala com este
chão de estrelas, a campainha
das manhãs e duas papoilas vermelhas
a dissimular mãos entrelaçadas

porque não posso não sei e não quero
sentir saudades de amanhã

fotografia de eurico portugal [estação de lagos]



II. ecos de voz [e nós]

nenhuma palavra está completa
sem a boca que a atice
sem o ouvido que a enfeitice

nenhuma palavra está completa
sem tudo aquilo que não pode ser dito


fotografia de eurico portugal [porto covo]


III. alguém, quem?

ninguém
entre si e o seu silêncio


fotografia de eurico portugal [metropolitano de lisboa]


IV. tirésias

fecham-se os olhos por dentro
antes durante e depois
de te ver morrer


fotografia de eurico portugal [bairro de alfama, lisboa]


24 comentários:

  1. oráculo em silêncio
    no branco da página
    o poema e sua miragem


    abraço

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. e há tantos que adivinhamos ver sem o saber dizer...

      abraço, assis!

      Eliminar
  2. I É sempre o medo... meter flores dentro da mala como para a morte II O silêncio, a finitude... III A ausência... IV a cegueira da morte... quatro estações sinónimas... e a viagem sempre presente com seus sentimentos de desamparo e fim.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. cada leitura e todas as outras leituras: sem medo, quase sempre em silêncio como quem peregrina no templo dos sentidos, em permanente viagem.

      abraço!

      Eliminar
  3. Nossa... destes posts onde mergulho intensamente. Dos meus preferidos, Eurico!

    Beijo grande.

    ResponderEliminar
  4. Eurico querido,
    Tudo muito lindo e essencial por aqui, fico feliz com o tamanho do teu mundo.
    Saudades de Portugal também.

    Tentando resumir: um senhorzinho, meu colega de francês, saiu em uma aula com esse pensamento que jamais esqueci (em português para desespero da professora, mon Dieu!): “A melhor coisa do mundo é viajar, a segunda melhor é voltar para casa”.

    Ampliando o significado e considerando que a “casa” pode ser nosso corpo e o self que a habita com “la anima mostra” que a anima, dá a vida; e as viagens podem ser todas mais as que imaginamos, esse pensamento é no mínimo uma exploração dentro de outra.

    Digo isso, pois recordo perfeitamente de Porto Covo e de toda essa região, e incrível a semelhança que senti com uma parte do litoral do Uruguay, o país do pai (apesar de que em termos de relevo aqui as praias são pampeanas, portanto sem grandes depressões como percebi nessa costa em muitos balneários), mas há algo no aroma do mar, no percurso do vento que me deu um déjà vu no melhor estilo do slogan utilizado pelo Ministério do Turismo desse pequeno país ao sul do meu: “Uruguay – volver es natural” – retornar é natural, e se faz inevitável, o que eu não sabia é que encontraria um Uruguay dentro de Portugal (quase 10.000km de distância), e um Portugal aqui no meu Rio Grande do Sul, quiçá em Buenos Aires, Montevideo...
    Foi quando avistei uma praia em especial e parei o carro, eu precisava tirar uma foto para mostrar a minha irmã e mãe, pois a praia me trouxe a memória afetiva de um balneário em específico a 10km de Piriápolis, no sentido Montevideo-Piriápolis, que se chama “Playa Grande” – uma prainha uruguaia isolada e charmosa. Paramos o carro num estacionamento onde havia uma placa. Fui ler a tal plaquinha... e o que dizia Eurico?... Dizia o nome daquele lugar, da minha Playa Grande dentro de Portugal, e o nome: “praia grande”! (!!!), pois, sim, há uma praia grande que com certeza conheces, pois é uma praia de Porto Covo, e tenho a foto de prova. Muita coincidência!

    Em espanhol, português, francês, italiano..., todas nossas viagens são do tamanho de nosso mundo, pois que ele seja grande, uma praia grande, e sempre carregue na mala nossos sonhos, esperanças e a quem amamos.

    Beijos!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. aninha,
      se não conheço a praia grande, bem em porto covo, concha escavada na rocha, escondida do vento e braços abertos sobre os cabelos desse mar azul que, da atlântica e furiosa viagem, se faz ali festas e tegatés. na praia grande me entreguei ao sol, ao descanso, às gargalhadas, ao futebol de bola para o ar, aos planos sobre a indefinição da vida, tudo isso em 2008, o ano em que, com amigos, rumei ao sudoeste pela primeira vez! de como essa e tantas outras praias se fizeram grandes no lugar onde tudo cresce e tudo cabe: o lado de dentro. porque a maior das viagens faz-se de olhos fechados.
      hoje - e não é romagem, não é peregrinação, não é saudades do futuro, é apenas o reencontro comigo mesmo -, hoje, esta e tantas outras praias desse litoral vicentino fazem-se meu ponto de encontro obrigatório, anual quando não mesmo bianualmente.

      um beijo grande!

      Eliminar
  5. Eurico,
    Deu certa a publicação do comentário? Sei que foi grandãooo. Volto depois e confiro, ando desconfiada com o blogger...

    Tentei te passar agora de presente um link de uma música.... sei lá... PERFEITA, não existe outra palavra para descrevê-la, do Sigur Ròs, mas não sei por que não consegui fazer um copy-paste aqui para dentro do comentário. Parece que o blogger anda com uns problemas, percebeste isso? Alguns amigos não estão conseguindo postar partes de suas publicações, fotos, etc. (???) Mas depois te passo esse presente, provavelmente já a conheças, como a Praia Grande! (y la Playa Grande, por supuesto:)
    Besos!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. deu certo, sim :)
      e sobre sigur ròs: é justamente essa banda islandesa que, pelo seu último álbum, valtari, passa e volta a passar por aqui. neste caso, a faixa transformou-se em videofilme experimental: http://www.youtube.com/watch?v=wfJVAoTE2PI
      a música, mas também o filme: arrepio!

      beijinho!

      Eliminar
    2. Eurico querido,
      não consigo mesmo colocar aqui o link da tal música do Sigur Ròs, como te falei que o faria, fico te devendo, mas é de um vídeo em que há um homem em pé numa cama à meia luz, dançando com uns véus..., depois dois homens num pântano... enfim. (tri-boa a descrição!). Talvez te lembres.

      Mas encontrei a minha música preferida do Genesis, da fase Peter Gabriel, o vídeo não está bom, mas é um espetáculo e te deixo de presente esta viagem: I know what I like.
      Grande beijo!

      http://www.youtube.com/watch?v=p_EYU75uhKk

      Eliminar
    3. aninha,
      tenho a discografia completa de sigur ròs, porque é uma banda que toca acordes de mim aonde poucas conseguem chegar. estou curiosíssimo por saber qual o vídeo (a descrição é mesmo boa, triboa :)), porque se conheço as faixas, não posso dizer o mesmo dos clips. permito-me aguardar que consigas enviar-me o link ou, em alternativa, dizer-me o título da música.
      genesis com peter gabriel coincidem com algumas das melhores experiências musicais que tive em teenager. se conheço "i know what i like"!? fantástica, dessas que, a par de "the carpet crawlers", "lamia" ou "anyway", povoaram horas do meu tempo clearasil :)

      beijinho!

      Eliminar
  6. Poeta amado, muito especial esse post. Saudades de amanhã também não quero. Um luxo textos e imagens. Que bom que existe seres como você. Você é poesia.

    Beijos,

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. taninha,
      ter saudades do futuro é esvaziar de sentido o sonho e o até onde por ele se pode chegar. e porque as saudades são a presença - descobri-o com uma amiga gaúcha -, sinto saudades apenas do que torno possível. e o sonho, esse, é a maior das nossas possibilidades.

      beijinho grande!

      Eliminar
  7. putz,
    este seu olhar cada vez mais atento, que capta até a velocidade do bonde.
    e o bonde.
    e o que há de vida nele.
    (e nisto recordo-me que fui tirar uma foto de um bonde ao seu lado, lá no porto, e o "maquinista" me olhou com cara de poucos amigos. a luz estava horrível e eu, desconcertado. minha foto não ficaria grande coisa, mesmo se houvesse luz o quanto bastasse)...

    termino dizendo que fiz um risoto de bacalhau no ultimo domingo que ficou bem bonzinho, aroma floral de estragão... pensei em qual vinho você escolheria e concluí que já passou da hora de você me visitar.

    abração, henriquíssimo.

    r.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. robertílimo,
      não sei porquê, mas os elétricos (bonde na língua de machado) exercem sobre mim um fascínio agudo. talvez o facto de invocarem um tempo passado que teima em resistir à morte, talvez por não saberem viver sem trilhos por não lhes ser dada a oportunidade de inventar a sua própria estrada, talvez ainda por servirem rostos que os não veem e que apenas deles se servem. talvez...
      recordo-me perfeitamente do instante desse clique, do olhar do guarda-freio, do teu comentário comigo, da foto que não resistiu à refração da luz. depois disso, voltei à zona do piolho, bem defronte da igreja do carmo, para captar novo boneco; as condições eram as mesmas (pouca luz num pardacento fim de dia); alterei as definições da abertura e a coisa até se compôs. esta fotografia que aqui publico, em todo o caso, é captada em lisboa, com arrasto, no sábado que antecedeu a páscoa, numa capital assaltada de espanhóis - a propósito, o dia terminaria na luz, a testemunhar uns expressivos 6-1 sobre o brioso rio ave - e faltam seis finais, uma delas já hoje em olhão, algarve.
      risoto de bacalhau? isso é o que se chama combinar o melhor de dois mundos e, como adoro tanto o arroz quanto o bacalhau, fico aqui a cismar quando me será dada a oportunidade de o provar de vivo paladar? que seja ainda nesta vida :)

      abracílimo!

      Eliminar
  8. Este post é daqueles que me deixam sem palavras. Tenho a emoção na garganta,Eurico. E as lágrimas a bailar nos olhos.
    De uma beleza gritante, de uma sensilidade que nos cala.
    Aplausos!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. sandra,
      porque as palavras se fazem pequenas diante do sentir, deixo-te aqui o meu abraço amigo.

      Eliminar
  9. porque o entre partidas e chegadas torna-se espera e saudade, os sentidos transformam-se em gritos de chamamento!

    os textos e imagens me levaram tão longe!

    sempre uma bela viagem te ler!

    beijo, meu amigo poeta!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. numa mão a espera, na outra a vertigem de logo querer chegar. algures entre um e outro, a saudade a gritar sim e talvez não.

      abraço, jô!

      Eliminar
  10. um navio
    que segue
    tem o seu mar
    ...


    forte abraço, camarada.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. mesmo que por entre brumas que não deixam avistar claro,
      e regressar uma vez,
      e outra
      outra
      e todas as vezes
      até se fazer possível permanecer
      na cegueira dos lugares.

      abraço, marinheiro-camarada-amigo!

      Eliminar
  11. a excelência dessa sua voz (coisa que já sei de cór, e salteados, e cambalhotas) ainda me assombra como da primeira vez, o que é fabuloso, pois ser surpreendido é o apelo maior do leitor.
    agora, o que são essas imagens? pura poesia, eu mesma respondo!
    poesia sobre poesia (imagem e palavras) numa viagem circular, de dentro pra fora e vice-versa
    seus cliques, meu amigo especialíssimo, não estão mais de brincadeira, a situação é séria, tá
    levo comigo a III - contemplação
    bjão, meu companheiro de viagens

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. ira,
      li-o a primeira vez em josé gomes ferreira: a única coisa que não posso perder é a capacidade de me surpreender. na ocasião, ainda menino e moço, tive dificuldade em entendê-lo, mas, à medida que a vida corria e me empurrava para as suas engrenagens quotidianas, passei a valorizar, em tudo, o que remetia ao diferente e ao que agitava - o que não significa que pequenas rotinas não apontem, também, à significância indispensável com que escrevemos rotas de segurança.
      hoje, leio-o de novo, na tua voz incontestada e por todos reconhecida; leio-o e petrifico: ver cristo a caminhar sobre as águas e saber que os sonhos se fazem de carne viva.

      um beijo!

      Eliminar