segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

brinde para urgências de datas impossíveis

"bebo mais, até que a solidão se perde na espessura turva do vinho. às vezes morre-se tanto, e tão cedo!"
Al Berto, Roulottes da Noite de Lisboa

fotografia de eurico portugal


toda a memória recorta imagens fixas
de um tempo em que ganhámos
terra firme

as bocas falam
o calendário ruge mas
apenas desejo os doze pequenos silêncios
que escuto quase sem ferir o olhar
– pergunto-te de onde vimos
tu e eu
poemas sem medo
a acorrentar ruas inquietas
ao corpo?

hoje é o dia
de nos fixarmos no ponto
que grita pelos mortos
que desenterra os vivos
o dia dos futuros possíveis
e dos livros que nunca escreveremos
– porque o tempo que nos sustinha o olhar
lançou a pele à terra
e todas as estrelas apodreceram
no bolor da sua voz:
nenhuma linha é perfeita
à superfície da noite e da loucura

hoje é o dia de recordar
hoje é o dia de esquecer
o dia
de amar rosas com os dentes
de dizer poesia
de beber bocas e amansar línguas
hoje é o dia
de esbanjar desejos que daqui a um ano
reinventaremos
[apenas palavras
sem antecedente
num abrir e fechar de pálpebras]

toda a matéria é mentira por isso
hoje é o dia
de estender os dedos
escarnecer da distância
e tocar a ponta extrema da estrela:

a morte não nos vencerá

esta noite.

 

20 comentários:

  1. putz... tocar a estrela com a ponta dos dedos.
    que imagem mais bela, euriquíssimo.

    e, como se fosse o pó mágico de pirlimpimpim, o dia de hoje cairá mansamente sobre nossas cabeças ... é ele o orvalho do fim do medo.
    de todos os nossos medos.

    e um 2014 de coragens virá (quase lânguido) como um onda suave molhando os nossos pés.

    abraço grande, poeta de terras de viriato.

    feliz 2013 pra todos nós.

    r.

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  2. robertílimo, primeiro amigo,
    a estrela existe para ser tocada. o pior é que, habituados a vê-la à distância, até nos esquecemos disso.

    que caia sobre nós esse pó de perlimpimpim, no próximo ano, nos seguintes, e em todos os que nos escrevem.

    abraço maior, com os membros estendidos, a tocar as pontas da amizade. e como brilham!

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  3. Eurico querido!
    Venha mais na pressa que motorista argentino!

    Deixo-te um poema de Mário Quintana:

    "Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
    Vive uma louca chamada Esperança
    E ela pensa que quando todas as sirenas
    Todas as buzinas
    Todos os reco-recos tocarem
    Atira-se
    E — ó delicioso voo!
    Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
    Outra vez criança...
    E em torno dela indagará o povo:
    — Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
    E ela lhes dirá
    (É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
    Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
    — O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA..."

    Conhecer-te, a Raquel, aos teus, em especial a flor-mocinha mais linda de Portugal a quem nutro um carinho muito, muito gigante, estão entre melhores momentos de 2012 para mim, sinceramente. Guardarei para sempre, além-noite, meu muito querido amigo!
    (me emocionei...)

    Já convidei o queridão Roberto Lima para uma costela 12 horas gaúcha! Ele disse que está agendado, pois espero que venhas junto, Eurico, prometo que não te dou chimarrão :)

    Beijos muitos, um abração a todos do tamanho dos Pampas Gaúchos!
    Da sempre amiga,
    Cecília.

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    1. aninha,
      faça-me eu agora mesmo o salto-a-acontecer pois as coisas-verdade não se fazem dos dois lados do caminho, senão de um só, esse a que chamamos vida e para o qual convergem todos aqueles que lhe dão sentido. tu e os teus [em especial essa garotinha de olhar atento enquanto a mãe perdia retinas pelo tempo inscrito nas paredes do templo] dizem-me que a saudade não tem rosto, tempo ou lugar. já o sabíamos, verdade? mas as verdades devem ser ditas, repetidas e escritas, no papel e na pele, sob pena de passarem a cristalizações sem sentido.
      quanto ao grande churrasco gaúcho, pois conta comigo. o vinho levo-o eu - uma colheita do douro que sempre vai bem com a carne e, sobretudo, com a alegria. e o meu amigo roberto - que se fará presente, bem o sei - já o conhece. esteva de seu nome [foi à roda de uma mesa, justamente com esteva, que brindámos as primeiras palavras presencialmente]. e nesse festim não podem faltar as demais iguarias e tradições gaúchas: o chimarrão [pois então! - a fotografia prova que gostei; é que não fiz cara feia :)] e a tão inspiradora ambrosia [julgo escrever-se assim]. venha de lá essa data e façamo-la nossa, pois.

      beijo meu e de todos para ti e para todos!

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    1. a passagem do ano é o elo de ligação entre as diferentes engrenagens do tempo. por isso the smiths: haverá música que melhor ligue o passado e o futuro, fazendo-se sempre presente? não creio...

      beijos!

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  5. um 2014 depois do 2013, né???

    é que seu amigo, às vezes, bebe... rs

    abração, euriquíssimo.

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    1. 2014!?... e 2015, e 2016, e assim por diante. somos, afinal, todo o tempo que fazemos nosso. com bebida a acompanhar, pois claro [esteva serve? :)].
      a propósito, acabo de acertar aí um churrasco gaúcho. esteva far-se-á presente :)

      abraço!

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    2. esteva serve?
      esteva vive.

      to procurando pra comprar por aqui. tem uma importadora de vinho de nova york que o traz.

      troquei os destilados pelo vinho, naquela onda custo-benefício.... rs

      e esteva é ótimo.

      tim tim!

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    3. continua a sair muito bem esse tal de esteva; ainda na ceia de natal foi o que regou o bacalhau, lá em casa :)
      quanto à troca que dizes ter feito [vinho/destilados]: em minha opinião ficas a ganhar, mas bem melhor ainda seria não ter de cortar com nenhum desses amores :)

      abracílimo!

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  6. e quando estrelas são olhos... e tocamos com a ponta da voz, as distâncias se curvam... rendidas!

    Grata por todos os toques em estrelas que me possibilitaste ao estenderes tua voz como orbe! Que 2013 seja ímpar em todos os sentidos!

    Beijo, amigo poeta de tantos sorrisos!


    p.s:
    Notas finais para recomeço

    vestir um branquinho básico
    desengavetar tiara de candura
    dar os votos
    brindar com vinho
    e abanar os braços

    como quem voa

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    1. jô,
      são assim as nossas mãos: longas, de dedos finos, dessas que conhecem todos os recantos que escapam ao olhar e ao toque dos que olham sem ver ou dos que fixam pupilas nas pontas dos pés. e pela palavra, nenhum hiato entre o que se sente e o que se diz se fará estranho. é esse o adn da poesia; é esse o des[a]tino dos que a sentem: chão de vozes entrançadas.

      um beijo e um brinde desejando-te tudo de bom neste ano que hoje mesmo começa.

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  7. A foto é belíssima, Portugal, permita-me te chamar assim, porque Portugal é parte de tudo.
    "Circunda-te de rosas, ama, bebe. E cala. O mais é nada."
    Obrigadíssimo querido amigo, se existe algo que a morte nunca vence são tuas letras, tuas linhas, teu acolhimento.

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    1. rejane,
      amiga de tantas delicadezas, da sensibilidade que encontra, assim redefinindo o simples e o belo,
      sim, rodeio-me de rosas, amo, bebo e exulto à vida. sentir o carinho de pessoas como tu [para lá da generosidade maior que é concederes-me a tua amizade] é, para mim, dar voz ao que define e move. obrigado pela tua amizade de ontem, deste ano novo e de todos os anos novos que nos renovam.

      um abraço de água!

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  8. ...aqui é lua cheia, e eu contemplo nossa amizade: a poesia é a tua travessia, meu caro amigo!

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    1. a poesia e todos os mundos que abrimos pela palavra são a chave dos mais intrincados enigmas, neste pedaço de terra ou noutro qualquer. eis a nossa travessia, querida amiga.

      p.s. há um pedaço do teu nome em cada lua que se deixa contemplar.

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  9. Eurico querido,
    Acesso de riso em mais uma madrugada insone!

    Correções:
    No primeiro comentário quis dizer: VENHO mais na pressa que motorista argentino (dirigir como motorista argentino pode ser bom em Buenos Aires, mas na escrita não:))
    No segundo é THE SMITHS, ora essa! Praticamente cometi uma heresia com o Morrissey e turma.

    Eurico, no primeiro dia do ano abri aqui nos Pampas um Dona Antônia! Recordei-me que partilhamos pessoalmente de um mesmo no dia 19 de outubro à tardinha, recordas onde? Um dos momentos mais especiais da minha/nossa viagem!

    E assim começou o ano, ao som de uma poesia distante que se pode sorver a leves tragos no encanto e acolhimento que tivemos eu e minha família. Inesquecível, pois.

    Beijos!

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    1. aninha,
      não te preocupes com os lapsos de digitalização, embora, em primeira instância, tivesse feito uma leitura que também passava bem: "venha" - eu próprio, o que muito me agradria :) - e The Smithis - imaginei que o nome da imortal banda de morrissey com sotaque gaúcho :)
      se me lembro de dª antónia? hum, não seria um dª fernanda, antes? :)

      beijinho, minha amiga de tantas latitudes!

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  10. Perfeito para postagem nesta insólita data em que num substituit de calendário podemos salvar a nós e ficamos estimulados a reinventar!
    Belo poema.

    Um abraço grande,

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    1. os recomeços e a renovação, anna, esse tempo mítico que relógio nenhum conhecerá; saibamos tornar-nos pássaros e que o desejo de voar seja a força que nos guie.

      um beijo!

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